01 novembro 2010

Os cristãos e a política*

Um dos equívocos da intelectualidade moderna foi imaginar que poderia transformar a religião numa questão privada, numa prática quase doméstica, num conjunto de valores dos quais as pessoas teriam vergonha de dizer que tem vínculo. Para forçar essa situação, largas faixas dos iluministas criaram o mito de que religião era sinônimo de ignorância, obscurantismo, superstição. Espalharam a mentira de que o cristianismo (o grande objeto da ira deles) era avesso à razão e que quanto mais rápida e profundamente nos livrássemos de sua influência, mais alcançaríamos a maioridade ética, intelectual, estética, política.

Ainda hoje, quem lê o material didático da esmagadora maioria das nossas escolas pode observar que a religião cristã é retratada da pior maneira possível. Inimiga da ciência e perseguidora implacável, são duas características obsessivamente repetidas pelos subprodutos do iluminismo na sala de aula. As pesquisas sobre o tema de autores como Jacques Le Goff, Paul Johnson, Michael Novak, Thomas Woods e tantos outros jamais chegam ao ambiente escolar brasileiro, o que só contribui para que continuemos nas trevas.

O fato é que dois séculos depois, os cristãos continuam, mesmo que de forma variada, atentos ao que acontece nas suas comunidades nacionais. E não poderia deixar de ser assim, pois os preceitos do cristianismo compreendem a história como âmbito no qual os fiéis buscarão a salvação. Sabemos que as igrejas cristãs acreditam que sua principal missão é a salvação eterna dos homens. Essa missão, porém, tem início já neste mundo, através de ações que visem a conformar os homens ao espírito do evangelho. Por isso, sua missão evangelizadora exige das comunidades cristãs uma preocupação com o meio no qual o homem está inserido. A missão espiritual dos cristãos exige deles uma solicitude social para com o homem, ou seja, à sua missão salvífica corresponde, necessariamente, uma missão temporal de libertação e humanização, uma vez que o ser humano não é um ser isolado, mas aberto à relação com os outros, ou seja, é, por natureza, um ser social. Nesse sentido, a ação cristã no espaço público é condição para o exercício pleno da fé.

Períodos eleitorais são especialmente importantes para os cristãos, pois a experiência internacional ao longo do século XX já mostrou que quanto mais afastados eles ficam da política mais abrem espaços para aqueles que desejam silenciá-los e atacar a sua base de valores. Um argumento muito comum aos seus inimigos é aquele que afirma que o Estado é laico e que não devemos misturar religião e política. Ora, é claro que o Estado é laico e que deve continuar sendo. Mas, isso não significa que os debates públicos que estruturam esse mesmo Estado possam excluir da discussão, no caso brasileiro, mais de 90% da população. Também seria apostar na esquizofrenia, como padrão de conduta, exigir que o cidadão seja cristão dentro de casa e do templo e seja outra pessoa na hora de se posicionar no espaço público.

Não, senhores. Todos nós, cristãos ou não, devemos participar do debate com a totalidade dos nossos valores (éticos, estéticos, religiosos, políticos, ideológicos) e não adianta insinuar que nesse debate os pressupostos religiosos são inferiores aos não religiosos, pois isso é desonestidade ou ignorância. O debate público é feito, sim, de racionalidade (e isso os cristãos têm de sobra, pois são dois mil anos de muita reflexão intelectual), mas não se limita a isso.

Os países mais prósperos e livres do mundo têm populações compostas por amplas maiorias cristãs, o que significa que as afinidades entre cristianismo e modernidade podem ser colocadas a serviço do bem comum. No caso brasileiro, ao contrário do que afirmam seus detratores, a ação dos cristãos é absolutamente necessária para combater o autoritarismo crescente e as tentativas de implantação de uma cultura de morte no país. Os verdadeiros cristãos não podem fugir desse tipo de combate, sob pena de voltarem a desenhar peixes na areia, como quando eram perseguidos no mundo antigo.


*Por Rodorval Ramalho, extraído do site Cinform.com.br.

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