23 março 2009

Entenda melhor - Anencefalia

Perguntas e respostas

1- O que é anencefalia fetal?
É uma malformação congênita que se caracteriza geralmente pela ausência da abóbada craniana e massa encefálica reduzida. O termo anencefalia é impróprio, uma vez que não há ausência de todo o encéfalo. O encéfalo compreende várias partes, sendo as principais o telencéfalo (cérebro ou hemisférios cerebrais), o diencéfalo (do qual fazem parte o tálamo e o hipotálamo), e o tronco encefálico (mesencéfalo, ponte e medula oblonga). O cérebro é a parte anterior e superior da massa encefálica e ocupa a maior parte da cavidade craniana.
2- Havendo a morte encefálica a criança não estaria morta?
No anencéfalo não se caracteriza a morte encefálica. Inadvertidamente, querem igualar a falta dos hemisférios cerebrais à morte encefálica. Os critérios para diagnosticar a morte encefálica não são aplicáveis cientificamente a crianças menores de dois anos, muito menos a crianças intraútero, quando nem se podem fazer os testes necessários ao diagnóstico. Uma vez nascida a criança anencefálica, ela responde a estímulos auditivos, vestibulares e dolorosos e apresenta quase todos os reflexos primitivos dos recém-nascidos, conforme informam os Professores Aron Diament e Saul Cypel da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em "Neurologia Infantil", 3ª edição, Editora Atheneu. A criança anencefálica é um ser humano vivo, com toda a sua dignidade que lhe é conferida pela sua natureza humana.
3- Há formas de se evitar essa enfermidade?
A causa da anencefalia é multifatorial. Atualmente admite-se que a principal causa é a deficiência de ácido fólico, uma vitamina do complexo B, presente em muitos alimentos naturais e também em alguns alimentos industrializados. Ela deve fazer parte da alimentação das mulheres em idade fértil. A administração de 4mg de ácido fólico desde o início da gravidez e durante o primeiro trimestre tem reduzido significativamente a incidência da anencefalia.
4- Qual a avaliação que o senhor faz da decisão do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal brasileiro, de autorizar o aborto em caso de anencefalia fetal?
Decisão apressada, tendenciosa e, segundo muitos juristas, inconstitucional, porquanto macula o artigo 5º da Lei Suprema, que considera inviolável o direito à vida. Além disso, viola o artigo 4º do Pacto de São José, tratado internacional sobre direitos fundamentais a que o Brasil aderiu, e que declara que a vida começa na concepção. Do ponto de vista ético, foi uma aberração conceder aos médicos uma função de carrasco para matar seres humanos inocentes, função para a qual nós, os médicos, não fomos formados.
5- A decisão do ministro abre caminho para que outros tipos de aborto sejam pleiteados? Abre-se caminho à eugenia?
Sem dúvida. Outras doenças que podem ser detectadas intra-útero já são pleiteadas, como Síndrome de Potter, Síndrome de Patau e muitas outras. Na própria Síndrome de Down, já muitos preconizam o abortamento, como que a dizer desrespeitosamente, que essas crianças não deveriam ter nascido. Caso fosse aprovado o aborto para crianças anencefálicas, não haveria como proibi-lo em outras doenças que não permitam uma sobrevida um pouco maior. Estamos sendo protagonistas de uma sociedade que está revivendo a eugenia do nacional socialismo de Hitler. Naquela época, referiam-se, entre outras coisas, aos deficientes e menos úteis da sociedade, como "vidas carentes de valor". Com isso, proporcionaram não só a morte dos "velhos improdutivos" como também a de muitas crianças mal formadas. O argumento hoje é a "qualidade de vida", ensejando o argumento de "vidas carentes de qualidade". Já existem em nossa sociedade demandas processuais em que se fala claramente em aborto eugênico.
6- Os grupos que defendem o aborto em caso de anencefalia utilizam o argumento de que com isso se preserva a saúde da mulher. Que riscos a gestação de um feto anencéfalo pode trazer para a mulher?
O argumento mais utilizado é o polidrâmnio, uma intercorrência que pode acontecer também em outras gestações. O polidrâmnio tem um tratamento preconizado, a amniocentese, relativamente simples, com pequeno risco, e que qualquer obstetra já teve ocasião de realizar.
7- E as conseqüências psicológicas para a mãe de uma criança anencefálica?
É evidente o sofrimento de uma mãe quando sabe que o filho que está a gestar é portador de uma doença grave. São momentos difíceis para ela e para o pai. Chora, e chora muito pela doença grave do seu filho e pela perda desse filho. Qualquer mãe chora pela perda inexorável de um filho; por isso o ama mais ainda, como qualquer mãe o faz quando sabe que o seu filho é portador de uma doença grave. Entretanto, daí a afirmarem que, por causa de sofrimento, ela quer se ver livre do seu filho doente, vai uma distância muito grande. Temos visto situações em que essas gestantes sofrem uma pressão psicológica quando lhe afirmam que ela é um "caixão ambulante", expressão desrespeitosa inventada por defensores do aborto. Ou afirmam que ela está a fazer um "funeral demorado". E quando induzida por essa pressão capciosa, a fazer o aborto, fica em sua memória a lembrança do filho morto, uma lembrança muito incômoda para ela. É quando pode ser acometida da Síndrome pós-aborto, um desequilíbrio emocional muito grave.
8- Que outras conseqüências o aborto pode trazer para a mulher, mesmo se considerando a gestação de um filho com enfermidade grave, como no caso da anencefalia?
Com o eufemismo de "antecipação terapêutica do parto", o que na verdade se está pleiteando é o aborto. Como qualquer procedimento médico cirúrgico, o aborto não é destituído de riscos, mesmo feito nos melhores ambientes hospitalares. É importante registrar que na Inglaterra e no País de Gales, onde o aborto é liberado, 50% das mortes maternas por abortamento se devem ao aborto provocado. E feito em ambientes hospitalares do 1º mundo. 9- O feto perde sua dignidade ao ser portador de uma enfermidade grave, como no caso da anencefalia, a ponto da sociedade institucionalizar a eliminação dele?De maneira alguma. A sua dignidade é agredida quando se pretende matá-lo pelo fato de ser doente. Um ser humano doente necessita de proteção. Permita-me transcrever trechos de uma carta de uma paciente ao seu filho Vitor, anencefálico, a quem amou com todo amor materno desde a gestação, denunciando esses argumentos usados contra esses seres humanos doentes e inocentes: "Você nem pode imaginar quantas coisas mamãe tem ouvido das pessoas que tem cérebro. Outro dia mamãe ouviu uma pessoa dizer que matar uma criança assim não era aborto, pois esse feto já era um aborto da natureza. É, filho, as pessoas falam coisas absurdas, monstruosas. Parecem não usar o cérebro completo e perfeito que receberam de Deus. Outras defendem a idéia de que não haveria crime, caso praticassem um aborto cujo feto tivesse anencefalia, pois não haveria vida viável. Defendem essa teoria como se o ser que mexe, cujo coração bate dentro do útero materno já estivesse morto... Meu filho, você não sabe do que são capazes de falar e fazer essas pessoas que têm cérebro, essas pessoas grandes. Alguns têm a coragem de dizer que o que matam é o nada, sem saber que o que existe e vive no ventre materno desde a concepção é um sujeito humano concreto, único e irrepetível... Não podia eu dizer que você era uma parte minha, pois desde a concepção você já existia com um código genético diferenciado, original, em relação ao meu. Como podem algumas pessoas dispor do que não lhes pertence? ... Sabe que outro dia mamãe leu em um jornal que se autorizava um aborto liminarmente, sendo que o feto tinha um problema igual ao seu, anencefalia, e que o que fundamentava essa decisão era que "não se podia impor à gestante o insuportável fardo de ao longo de meses prosseguir na gravidez já fadada ao insucesso". Você não acredita? Mas é verdade, estava escrito, chamavam um filho como se fosse fardo insuportável, parece não saber que filho nunca é fardo, muito menos insuportável. Parecem não ter a menor idéia de quanto vocês são amados apesar dessa deficiência, ou melhor dizendo, malformação. E o quanto são importantes para nós, mães de verdade, cuja natureza intrínseca de mulher nos faz".
As perguntas e respostas acima resultam da entrevista feita pelo periódico ZENIT, e publicada pelo mesmo em 26/07/2004, ao Dr. Dernival da Silva Brandão, Especialista em Ginecologia e Obstetrícia, e Membro Emérito da Academia Fluminense de Medicina.

Anencefalia - Melhor é prevenir

Dr. Israel Gomy

Muito se discute o abortamento de fetos anencefálicos, mas pouca atenção se dá à prevenção da malformação. É preciso primeiro entender como se desenvolve essa anomalia. Apesar do nome anencefalia (ausência do encéfalo), um tecido neural funcionante está presente em graus variados. Embora haja óbito geralmente até a primeira semana de vida, pode ocorrer a sobrevivência, em alguns casos, por até meses após o nascimento.
Ocorre em um para cada mil nascimentos, predominantemente no sexo feminino. Resulta do não-fechamento da porção anterior do tubo neural até a quarta semana de vida. Há vários fatores de risco: se um casal teve um filho com anencefalia, a chance de ter outro com a doença é de 4%, ou 40 vezes maior que na população geral. Carência de ácido fólico antes e no início da gravidez aumenta o risco em duas a oito vezes. Outros fatores são defeitos no metabolismo do ácido fólico, diabetes materna, falta de vitamina B12, uso de certos anticonvulsivantes, obesidade e febre na gravidez.
O consumo de 400 microgramas de ácido fólico, de três meses antes da concepção até o terceiro mês de gestação, pode reduzir o risco em até 70%. Isso levou os países industrializados a recomendar suplementação diária com ácido fólico e dieta rica em folato. Entretanto, menos de 40% das mulheres em idade fértil seguem a recomendação, e nem isso nos países em desenvolvimento. Seria portanto mais eficaz fortificar os alimentos. O Ministério da Saúde exige dos fabricantes de farinhas de trigo e milho enriquecimento com ácido fólico e ferro. Mas será que a exigência está sendo cumprida?
A prevenção da anencefalia supera outras medidas que se pretendem adotar em nosso país, um Estado respaldado por uma Constituição que garante a inviolabilidade da vida - mas que infelizmente nem sempre é cumprida.

O Dr. Israel Gomy é médico geneticista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, SP. Fontes: O Globo, 30/07/2005

O direito à vida mesmo que por um dia

Dra. Simone Marcussi de Almeida Prado

Primeiramente entendo que a ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) não deveria ter sido acolhida pelo STF. Cabe à Suprema Corte, dentre outros, declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato que fira preceito fundamental da Constituição Federal ( art. 102, parágrafo 1º desta Carta). Todavia o que se busca com a ação ajuizada pelo CNTS ( Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde) é assegurar o direito da mãe de decidir sobre a antecipação da morte do seu filho, portador de deficiência congênita, em detrimento do direito fundamental à vida assegurado pelo artigo 5º da Lei Maior. Impõe-se com a referida ação que o STF assegure uma nova modalidade de aborto eugênico, contrariando a própria Lei.

O direito à vida, conforme reza a Constituição Federal, antecede todos os outros não podendo ser minimizado por um direito subjetivo da mãe que enseja abortar. Vale lembrar ainda que o artigo 4º do Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, assegura o direito à vida desde a concepção e tem força de emenda constitucional imutável, cláusula pétrea. Também o artigo 2º do Código Civil dispõe que “a lei põe a salvo dos direitos do nascituro desde a concepção”.

Não obstante alguns juízes tenham autorizado o aborto de fetos mal formados, no Brasil este tipo de aborto é considerado criminoso, não incorrendo em excludente de ilicitude como quando há risco de vida para a mãe. Há entendimentos importantes, inclusive, sobre a inconstitucionalidade do aborto em razão do estupro, outra hipótese prevista pelo Código Penal que exclui o crime. Isso porque nesse caso, de estupro, não há conflito de direitos iguais, quais sejam, a vida da mãe e a da criança, como na hipótese em que o aborto é permitido por haver risco de morte da gestante configurando o estado de necessidade.

A anencefalia é definida como anomalia resultante da má formação fetal congênita caracterizada como defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex havendo apenas parte do tronco encefálico, o que lhe impõe vida curta ou o nascimento com morte. Nos casos em que essa anomalia acarreta risco de vida para a mãe admite-se o aborto, pois trata-se da modalidade terapêutica perfeitamente aplicável a este caso.Todavia, não havendo risco, não se pode permitir aborto. E esse risco, segundo a grande maioria dos médicos, não é muito maior do que numa gestação normal. Atenta-se também para a possibilidade significativa de erro no diagnóstico, como se observa em alguns casos recentes.

A questão da anencefalia desdobra-se também sobre a hipótese de não haver expectativa de vida da criança, ou seja, vida em potencial. Ora, expectativa ou probabilidade de vida há, curta, mas há. Outra questão se depreende do fato de que há entendimentos no sentido de que o feto portador de anencefalia não é considerado vivo por não ter o cérebro totalmente formado o que não configuraria ilícito penal a prática do aborto, um vez que este consiste na cessação da gravidez de um ser humano vivo. Mas seria correto afirmar que um bebê apesar de anencéfalo, mas cujo coração e respiração funcionam independentemente de meios artificiais, esteja morto?

Outro argumento é o de que o bebê com a referida anomalia mantém-se vivo somente às custas do organismo materno. Mas o corpo da mãe é essencial até mesmo para fetos sadios e perfeitos manterem-se vivos até o nascimento. E a anencefalia não é impedimento para que outras funções vitais, como a respiração e o batimento cardíaco, permaneçam ativas ainda que por pouco tempo após o parto.

Outra questão que se aborda é a da morte cerebral, que não se confunde com a anencefalia. Equiparando-as, como tem sido feito neste caso, peca-se por desconhecimento, já que na primeira as funções vitais não se prorrogam a não ser por meios artificiais. Na segunda, aquelas funções podem ser mantidas ainda que por pouco tempo depois do nascimento ou mesmo por dias e meses. Há estudos que tratam de casos menos críticos que possibilitam ao anencéfalo condições primárias sensoriais e de consciência. Isso seria possível devido à neuroplasticidade do tronco cerebral.

Em se tratando do preceito constitucional da dignidade da pessoa humana este nada mais é do que o direito à assistência para manter uma vida digna até a morte inevitável. Este princípio não está sujeito à concepções subjetivas. Portanto, qualquer outro conceito de dignidade que não seja aquele mencionado consistirá em ardilosa tentativa de adaptar o princípio fundamental às conveniências pessoais.

Em que pese o sofrimento dos pais que sabem da curta sobrevida do seu filho, não se pode ignorar que o direito à vida inerente à criança não está condicionado à vontade de seus genitores. E amar um filho independe de sua perfeição física ou do tempo em que ele viverá.

Ainda que o feto tenha vida curta, ainda que os pais sofram por isso, viver é um direito inviolável. Cabe a pergunta: quando se sofre mais? Quando se gera um filho defeituoso cuja morte será natural ou quando se mata esse filho por sua própria vontade trazendo consigo além da dor da perda a dor do remorso?

A vida de um filho não vale pelo número de dias em que ele esteve presente na vida dos pais, mas pelo simples fato de ter estado presente. Mesmo que por um só dia.

Dra. Simone Marcussi de Almeida Prado - OAB 124.755

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