22 abril 2008

IGREJA ENTRA NO QUARTO ANO DE PONTIFICADO DE BENTO XVI, PAPA DA ESPERANÇA

Cidade do Vaticano, 22 abr (RV) - A Igreja entrou no quarto ano de pontificado de Bento XVI: o papa festejou esse evento em Nova Iorque, neste sábado, dia 19, durante a viagem aos EUA cujo lema "Cristo, nossa esperança" resume bem esses seus primeiros três anos de Ministério petrino.

"Mostrem ao mundo a razão da esperança de vocês": com essas palavras, pronunciadas em Nova Iorque no encontro com os jovens e os seminaristas estadunidenses, no dia 19 do corrente, terceiro aniversário de sua eleição à Cátedra de Pedro, Bento XVI traçou o sentido de sua missão, ou seja, a missão de anunciar Cristo, Salvador do mundo.

Nesses três anos de pontificado Bento XVI encontrou mais de dez milhões de pessoas, realizou oito viagens apostólicas internacionais e oito visitas pastorais pela Itália, escreveu duas encíclicas para dizer que o Amor e a Esperança não são algo, mas Alguém. Publicou o livro Jesus de Nazaré para mostrar que a fé não é um elenco de proibições, mas uma relação de amizade com Deus feito homem que muda a vida: n'Ele nos é dada uma nova esperança, apesar das tribulações do viver, porque a meta é certa. Mas em que consiste essa esperança?

"Consiste substancialmente no conhecimento de Deus, na descoberta de Seu coração de Pai bom e misericordioso. Jesus, com a Sua morte na cruz e a Sua ressurreição revelou-nos a Sua face, a face de um Deus tão grande no amor que nos comunica uma esperança inquebrantável que nem mesmo a morte pode obscurecer, porque a vida de quem confia nesse Pai se abre na perspectiva da eterna bem-aventurança." (Angelus de 2 de dezembro de 2007)

Bento XVI criou em dois Consistórios 38 novos cardeais representando todos os continentes para manifestar a atenção da Igreja por toda a humanidade. O papa invoca paz e justiça para o mundo. Escreveu uma Carta aos católicos chineses. Pensa em particular na África e numa justa distribuição das riquezas da Terra. Mas o mundo opulento deve mudar estilo de vida:"

É preciso uma esperança maior, que permita preferir o bem comum de todos ao luxo de poucos e à miséria de muitos. 'Somente Deus pode ser essa grande esperança... não um deus qualquer, mas aquele Deus que tem uma face humana' (enc. Spe salvi n. 31): o Deus que se manifestou na Criança de Belém e no Crucificado-Ressuscitado. Se há uma grande esperança se pode perseverar na sobriedade. Se falta a verdadeira esperança, se busca então a felicidade na embriaguez, no supérfluo, nos excessos, e se prejudica a si mesmo e o mundo. A moderação não é então somente uma regra ascética, mas também um caminho de salvação para a humanidade". (Homilia de 6 de janeiro de 2008)

Bento XVI é um homem simples e mansueto: a sua palavra é clara e profunda. Ama o diálogo na verdade. Duas vezes visitou uma Sinagoga: em Colônia _ na Alemanha, e em Nova Iorque; entrou na Mesquita Azul de Istambul. Convidou os não-fiéis a alargarem os horizontes da razão, a não se limitarem àquilo que é empiricamente verificável, para não se rejeitar a eternidade, isto é, Deus:

"O ser humano pode apagar em si mesmo a esperança eliminando Deus de sua vida. Como isso pode acontecer? Como é possível que a criatura 'feita para Deus', intimamente orientada para Ele, a mais próxima ao Eterno, possa privar-se dessa riqueza? Deus conhece o coração do homem. Sabe que quem O rejeita não conheceu a Sua verdadeira face, e por isso não cessa de bater à nossa porta, como humilde peregrino em busca de acolhimento. Eis o motivo pelo qual o Senhor concede novo tempo à humanidade: a fim de que todos possam chegar a conhecê-Lo." (RL)

18 abril 2008

ENCONTRO DE BENTO XVI COM O MUNDO UNIVERSITÁRIO CATÓLICO. LEIA DISCURSO NA ÍNTEGRA

Queridos Cardeais,
Queridos Irmãos Bispos,
Ilustres Professores,
Mestres e Educadores,

“Como são belos os pés daqueles que anunciam boas notícias!” (Rm 10, 15-17). Com estas palavras de Isaías, citadas por São Paulo, saúdo calorosamente cada um de vocês – portadores de sabedoria – e, através de vocês, todo os funcionários, estudantes e famílias das mais diversas instituições formativas que os senhores representam. Para mim, é um verdadeiro prazer encontrá-los e compartilhar com os senhores algumas reflexões sobre a natureza e a identidade da educação católica. Desejo agradecer, em especial, ao Pe. Davide O’Connell, presidente e reitor da Catholic University of America. Apreciei muito, caro Presidente, as Suas gentis palavras de boas-vindas. Por favor, estenda a expressão da minha cordial gratidão a toda a comunidade – faculdade, funcionários e alunos – desta Universidade.

A tarefa educativa é parte integrante da missão que a Igreja tem de proclamar a Boa Nova. Em primeiro lugar e, sobretudo, toda instituição educativa católica é um local no qual encontrar o Deus vivo, que revela em Jesus Cristo a força transformadora de seu amor e de sua verdade (cfr Spe salvi, 4). Esta relação suscita o desejo de crescer no conhecimento e na compreensão de Cristo e de seu ensinamento. Deste modo, aqueles que o encontram são levados pela força do Evangelho a conduzir uma nova vida, caracterizada por tudo o que é belo, bom e verdadeiro. Uma vida de testemunho cristão nutrido e reforçado em meio à comunidade dos discípulos de Nosso Senhor, a Igreja.

A dinâmica entre encontro pessoal, conhecimento e testemunho cristão é parte integrante da diakonia da verdade que a Igreja exerce em meio à humanidade. A revelação de Deus oferece a todas as gerações a possibilidade de descobrir a verdade última sobre a própria vida e sobre o fim da história. Este dever não é nada fácil: envolve toda a comunidade cristã e motiva toda geração de educadores cristãos a garantir que o poder da verdade de Deus forje toda dimensão das instituições. Desta forma, a Boa Nova de Cristo é colocada em condição de agir, orientando seja o mestre, seja o aluno para a verdade objetiva que, transcendendo do particular e do subjetivo, conduz ao universal e ao absoluto que nos habilita a proclamar com confiança a esperança que não decepciona (cfr Rm 5,5). Contra os conflitos pessoais, a confusão moral e a fragmentação do conhecimento, os nobres objetivos da formação acadêmica e da educação, fundados na unidade da verdade e no serviço à pessoa e à comunidade, se tornam um instrumento especial e poderoso de esperança.

Queridos amigos, a história desta Nação oferece numerosos exemplos do compromisso da Igreja neste campo. De fato, a comunidade católica neste País fez da educação uma de suas mais importantes prioridades. Este feito não se realizou sem grandes sacrifícios. Figuras eminentes, como Santa Elizabeth Ann Seton e outros fundadores e fundadoras, com grande tenacidade e visão, promoveram a criação daquilo que é hoje uma significativa rede de escolas paroquiais, que contribuem ao bem-estar da Igreja e da Nação. Alguns, como Santa Katharine Drexel, dedicaram suas vidas à educação daqueles que foram abandonados por outros – em seu caso, afro-americanos e americanos nativos. Diversos Irmãos e Irmãs e Sacerdotes de Congregações religiosas, ao lado de pais altruístas, ajudaram, através das escolas católicas, gerações de imigrantes a sair da miséria e a assumir um papel na sociedade de hoje. Este sacrifício continua ainda hoje. Encarregar-se das necessidades materiais, intelectuais e espirituais de mais de três milhões de jovens e estudantes é um excelente apostolado da esperança. Isto oferece também a toda a comunidade católica uma oportunidade altamente louvável para contribuir generosamente com as exigências financeiras de nossas instituições. É preciso assegurar-lhes a possibilidade de se manterem a longo prazo. Efetivamente, deve ser feito todo o possível, em colaboração com a grande comunidade, para garantir seu acesso a pessoas de todos os níveis sociais e econômicos. A nenhum menino ou menina deve ser negado o direito da educação na fé, que, por conseguinte, nutre o espírito da Nação.

Algumas pessoas colocam em dúvida hoje o empenho da Igreja na educação, questionando se os recursos não poderiam ser melhor utilizados em outras iniciativas. Certamente, em uma nação como esta, o Estado oferece amplas oportunidades para a educação e convida mulheres e homens dedicados e generosos para esta honrada profissão. Assim sendo, é oportuno refletir sobre o específico de nossas instituições católicas. Como elas podem contribuir para o bem da sociedade através da missão primária da Igreja que é evangelizar?

Todas as atividades da Igreja nascem de sua consciência de ser portadoras de uma mensagem que tem sua origem no próprio Deus: em sua bondade e sabedoria, Deus escolheu revelar a si mesmo e difundir os desígnios ocultos de sua vontade (cfr Ef 1,9; Dei Verbum, 2). O desígnio de Deus de fazer-se conhecer e o desejo inato de todo ser humano de conhecer a verdade oferecem o contexto da busca humana sobre o significado da vida. Este encontro único é defendido em meio à nossa comunidade cristã: quem procura a verdade se torna alguém que vive da fé (cfr Fides et ratio, 31). Isto pode ser descrito como um movimento do ‘eu’ para o ‘nós’, que leva as pessoas a serem inseridas entre o povo de Deus.

A mesma dinâmica de identidade comunitária – a quem pertenço? – vivifica o ethos de nossas instituições católicas. A identidade de uma Universidade ou de uma Escola católica não é simplesmente uma questão de números de alunos católicos. É uma questão de convicção – acreditamos realmente que somente no mistério do Verbo encarnado se torna verdadeiramente claro o mistério do homem (cfr Gaudium et spes, 22)? Estamos realmente prontos a confiar o nosso ‘eu’, por inteiro – intelecto e vontade, mente e coração – a Deus? Aceitamos a verdade que Cristo revela? Em nossas universidades e escolas, a fé é tangível? Atribuímos a ela fervorosas expressões na liturgia, nos sacramentos, mediante a oração, os gestos de caridade, a solicitude pela justiça e o respeito pela criação de Deus? Somente deste modo nós damos realmente testemunho do sentido de quem somos e do que defendemos.

Desta perspectiva, pode-se reconhecer que a ‘crise de verdade’ contemporânea tem raízes na ‘crise de fé’. Somente mediante a fé nós podemos dar livremente nosso consenso ao testemunho de Deus e reconhecê-Lo como garante transcendente da verdade que Ele revela. Mais uma vez, nós vemos a razão para promover a intimidade pessoal com Jesus Cristo e o testemunho comunitário à sua verdade, que é amor, é indispensável nas instituições formativas católicas.De fato, todos nós vemos e observamos com preocupação a dificuldade ou a resistência que muitas pessoas têm hoje em entregar-se a Deus. É um fenômeno complexo, sobre o qual reflito continuamente. Enquanto nós tentamos com devoção envolver a inteligência de nossos jovens, pode ser que subestimemos seus desejos. Conseqüentemente, observamos com ansiedade que a noção de liberdade é desviada. A liberdade não é ter o direito de se desvincular de algo. É o direito de se empenhar por alguma coisa, é a participação no próprio Ser. Assim sendo, a autêntica liberdade não pode jamais ser alcançada no afastamento de Deus. Uma escolha semelhante significaria, em conclusão, subestimar a genuína verdade de que precisamos para entender nós mesmos. Por isso, suscitar entre seus jovens o desejo de um ato de fé, encorajando-os a engajar-se na vida eclesial que deriva deste ato de fé, é uma responsabilidade especial de cada um de vocês e de seus colegas. Aqui, a liberdade alcança a certeza da verdade. Na escolha de viver segundo esta verdade, nós abraçamos a plenitude da vida de fé que nos é dada na Igreja.

Claramente, portanto, a identidade católica não depende das estatísticas. Nem pode ser simplesmente equiparada com a ortodoxia do conteúdo dos cursos. Isto requer e inspira muito mais: ou seja, que todos os aspectos de suas comunidades de estudo se reflitam na vida eclesial de fé. Somente na fé a verdade pode ser encarnada e a razão realmente humana, capaz de dirigir a vontade rumo ao caminho da liberdade (cfr Spe salvi, 23). Deste modo, nossas instituições oferecem uma contribuição vital para a missão da Igreja e servem eficazmente a sociedade. Elas se tornam locais nos quais a ativa presença de Deus nos assuntos humanos é reconhecida e todos os jovens descobrem a alegria de entrar no ‘ser para os outros’ de Cristo (cfr ibid., 28).

A missão, primária na Igreja, de evangelizar, na qual as instituições educativas desempenham um papel crucial, está em sintonia com a aspiração fundamental da nação de desenvolver uma sociedade realmente digna da dignidade da pessoa humana. Todavia, por vezes, o valor da contribuição da Igreja ao forum público é colocado em questão. Por isso, é importante recordar que a verdade da fé e a verdade da razão nunca se contradizem entre si (cfr Concílio Ecumênico Vaticano I, Constituição dogmática sobre a Fede católica Dei Filius, IV: DS 3017; S. Agostino, Contra Academicos, III, 20,43). A missão da Igreja, de fato, a envolve na luta que a humanidade empreende para alcançar a verdade. Ao expressar a verdade revelada, ela serve todos os membros da sociedade purificando a razão, garantindo que ela permaneça aberta à consideração das verdades últimas. Nutrindo-se da divina sabedoria, esta esclarece a fundação da moralidade e da ética humana e recorda a todos os grupos na sociedade que não é a práxis a criar a verdade, mas é a verdade que deve servir como base da práxis. Longe do ameaçar a tolerância da legítima diversidade, semelhante contribuição ilumina a própria verdade, que torna alcançável o consenso e ajuda a manter razoável, honesto e confiável o debate público. Do mesmo modo, a Igreja nunca se cansa de sustentar as categorias morais essenciais do justo e do injusto, sem as quais a esperança pode somente murchar, abrindo o caminho a frios cálculos pragmáticos utilitarísticos, que subtraem a identidade da pessoa, fazendo com que se reduza a apenas um número.

Em relação ao forum educativo, a diakonia da verdade assume um elevado significado nas sociedades em que a ideologia do secularismo põe uma divisória entre verdade e fé. Esta divisão levou à tendência de igualar verdade e conhecimento e de adotar uma mentalidade positivistica que, rejeitando a metafísica, nega os fundamentos da fé e rejeita a necessidade de uma visão moral. Verdade significa mais do que conhecimento: conhecer a verdade nos leva a descobrir o bem. A verdade fala ao indivíduo na sua inteireza, convidando-nos a responder com todo o nosso ser. Esta visão otimista é fundada na nossa fé cristã, porque em tal fé é doada a visão do Logos, a Razão criadora de Deus, que na Encarnação se revelou ela mesma como Divindade. A verdade de amor do Evangelho não é somente uma comunicação de dados factuais – “informativa” –, mas é criativa e capaz de mudar a vida – é “performativa” (cfr Spe salvi, 2). Com confiança, os educadores cristãos podem libertar os jovens dos limites do positivismo e despertar neles a receptividade quanto à verdade, a Deus e à sua bondade. Deste modo, os senhores ajudarão também a formar a consciência deles que, enriquecida pela fé, abre um seguro caminho rumo à paz interior e ao respeito pelos outros.

Todavia, não constitui uma surpresa se a sociedade em geral, nem tanto as nossas próprias comunidades eclesiais, espera muito dos educadores católicos. Isso representa para os senhores uma responsabilidade e lhes oferece uma oportunidade. Um número sempre maior de pessoas – em especial de pais – reconhece a necessidade de excelência na formação humana de seus filhos. Como Mater et Magistra, a Igreja compartilha suas preocupações. Quando nada além do indivíduo é reconhecido como definitivo, o critério último de juízo se torna o ‘eu’ e a satisfação dos desejos imediatos do indivíduo. A objetividade e a perspectiva que derivam somente do reconhecimento da essencial dimensão transcendente da pessoa humana podem se perder. Dentro de semelhante horizonte relativístico, os fins da educação são inevitavelmente reduzidos. Lentamente, se afirma um rebaixamento dos níveis. Observamos hoje certa timidez diante da categoria do bem e uma imprudente caça de novidades em evidência como realização da liberdade. Somos testemunhas da convicção de que toda esperança tenha o mesmo valor e da relutância em admitir imperfeições e erros. E particularmente inquietante é a redução da preciosa e delicada área da educação sexual à gestão do “risco”, privo de qualquer referência à beleza do amor conjugal.

Como podem responder os educadores cristãos? Essas perigosas evoluções põem em evidência a particular urgência daquilo que poderíamos chamar de “caridade intelectual”. Esse aspecto da caridade pede ao educador que reconheça que a profunda responsabilidade de conduzir os jovens à verdade é um ato de amor. Na verdade, a dignidade da educação reside na promoção da verdadeira perfeição e da alegria daqueles que devem ser guiados. Na prática, a “caridade intelectual” sustenta a essencial unidade do conhecimento contra a fragmentação que resulta quando a razão é separada da busca da verdade. Isso guia os jovens rumo a uma profunda satisfação de exercitar a liberdade em relação à verdade, e isso leva a formular a relação entre a fé e os vários aspectos da vida familiar e civil. Uma vez que a paixão pela plenitude e pela unidade da verdade foi despertada, os jovens certamente vão saborear a descoberta que a questão sobre aquilo que eles podem conhecer os abre para a vasta aventura daquilo que eles deveriam fazer. Aqui eles experimentarão “em quem” e “em quê” é possível esperar e serão inspirados a oferecer sua contribuição à sociedade de um modo que gere esperança nos outros.

Caros amigos, desejo concluir chamando a atenção especificamente sobre a eminente importância da competência e do testemunho dos senhores dentro de nossas Universidades e Escolas católicas. Primeiramente, permitam-me agradecer-lhes por sua dedicação e generosidade. Conheço desde os tempos em que era professor e depois ouvi de seus Bispos e Oficiais da Congregação para a Educação Católica que a reputação das Instituições educativas neste país é amplamente devida aos senhores e aos seus predecessores. As desinteressadas contribuições dos senhores – da pesquisa externa à dedicação daqueles que trabalham dentro dos Institutos escolares – servem seja este país, seja a Igreja. Por isso, lhes expresso a minha profunda gratidão.

A propósito dos membros das Faculdades nos Colégios universitários católicos, desejo reafirmar o grande valor da liberdade acadêmica. Em virtude desta liberdade, os senhores são chamados a buscar a verdade aonde a atenta análise da evidência os conduz. Todavia, é também o caso de recordar que todo apelo ao princípio da liberdade acadêmica para justificar posições que contradizem a fé e o ensinamento da Igreja podem obstaculizar ou até mesmo trair a identidade e a missão da Universidade, uma missão imprescindível para o munus docendi da Igreja e não é de alguma maneira autônoma ou independente desta.Professores e administradores de Universidades e Escolas, vocês têm o dever e o privilégio de assegurar que os estudantes recebam uma educação na doutrina e na prática católica. Isso requer que o testemunho público do modo de ser de Cristo, como consta no Evangelho e é proposto pelo Magistério da Igreja, forje todos os aspectos da vida institucional, seja dentro, seja fora das salas de aula. Distanciar-se desta visão enfraquece a identidade católica e, além de não fazer avançar a liberdade, inevitavelmente conduz à confusão seja moral, seja intelectual e espiritual.

Desejo também expressar uma palavra especial de encorajamento aos catequistas, leigos e religiosos que se empenham em assegurar que os jovens se tornem, a cada dia, mais capazes de apreciar o dom da fé. A educação religiosa é um apostolado estimulante e existem muitos sinais em meio aos jovens de desejo de conhecer mais a fé e de praticá-la com determinação. Se quisermos que este despertar aumente, é necessário que os mestres tenham uma clara e precisa compreensão da especifica natureza e do papel da educação católica. Eles devem também estar prontos para orientar o compromisso de toda a comunidade escolar em assistir os nossos jovens e suas famílias a experimentar a harmonia entre fé, vida e cultura.

Agora desejo dirigir um apelo especial aos religiosos, religiosas e sacerdotes: não abandonem o apostolado escolar; aliás, renovem sua dedicação às escolas, especialmente àquelas que estão em áreas mais pobres. Em locais nos quais há muitas falsas promessas que atraem os jovens para longe do caminho da verdade e da liberdade genuína, o testemunho dos conselhos evangélicos oferecidos pela pessoa consagrada é um dom insubstituível. Encorajo os religiosos presentes a investirem um novo entusiasmo na promoção das vocações. Saibam que seu testemunho em favor do ideal da consagração e da missão em meio aos jovens é uma fonte de grande inspiração na fé, para eles e para suas famílias.

A vocês todos digo: sejam testemunhas da esperança! Alimentem o seu testemunho com a oração. Demonstrem a esperança que caracteriza suas vidas (cfr 1 Pt 3,15) vivendo a verdade que vocês propõem a seus alunos. Ajudem-os a conhecer e amar aquele Um que vocês encontraram, cuja verdade e bondade vocês experimentaram com prazer. Com Santo Agostinho dizemos: “Nós que falamos e vocês que ouvem, reconheçamo-nos como fiéis discípulos de um único Mestre” (Serm., 23,2).

Com estes sentimentos de comunhão, concedo, de bom grado, a vocês, seus colegas e alunos e a suas famílias a Benção Apostólica.

Bento Pp. XVI

VISITA HISTÓRICA DE BENTO XVI À ONU: DIREITOS HUMANOS DEVEM FUNDAMENTAR-SE NA RAZÃO NATURAL

Nova Iorque, 18 abr (RV) - A viagem apostólica internacional de Bento XVI aos EUA chega hoje a seu quarto dia. O Santo Padre iniciou as suas atividades celebrando esta manhã, de forma privada, às 6h45 locais (7h45 de Brasília), a santa missa na Capela da Nunciatura apostólica, em Washington.Às 8h locais, o pontífice deixou a Nunciatura transferindo-se para o aeroporto militar da capital estadunidense, de onde partiu _ a bordo do Boeing 777 da Alitalia _ com destino a Nova Iorque, segunda e última etapa de sua primeira viagem aos EUA, a segunda ao continente americano, após a visita ao Brasil, em maio do ano passado.Às 11h45 de Brasília, Bento XVI chegou à ONU para o esperado encontro na sede do organismo internacional.Bento XVI foi calorosamente recebido na entrada da ONU _ com o piquete de honra _ pelo secretário-geral, Ban Ki-moon, e pelo presidente da Assembléia Geral, Kerim Srgjan.

Após um encontro privado com o secretário-geral, o Santo Padre se dirigiu à sala da Assembléia Geral, onde se encontrou com os representantes das Nações Unidas.Ao dar as boas-vindas ao Santo Padre, Ban Ki-moon disse que as NN.UU. são "uma instituição laica, com seis línguas oficiais, mas nenhuma religião oficial. Não temos uma capela, mas uma sala de meditação", recordou o secretário-geral citando, todavia, as palavras do próprio papa sobre o terrível desafio da pobreza, sobre a não-proliferação dos armamentos nucleares e sobre o caminho rumo ao desarmamento, ressaltando assim a consonância que existe entre as posições da Santa Sé e as da ONU, que ambas seguem "o princípio segundo o qual aqueles que têm um poder maior não o devem utilizar para violar os direitos humanos de outros e da paz, como respeito pelos direitos de todos".

Ban Ki-moon recordou também o compromisso de Bento XVI em favor do ambiente e de seus apelos em favor do diálogo "entre religiões e culturas". "Santidade _ concluiu _ esses são os objetivos que temos em comum, e somos gratos por suas orações ao tempo em que procedemos em nosso caminho para realizá-los".O papa se dirigiu ao presidente da Assembléia; Kerim Srgjan e ao secretário-geral, Ban Ki-moon, agradecendo pelas palavras de boas-vindas e pelo convite a visitar a sede da ONU. Saudou os embaixadores e os diplomatas dos Estados-membros e a todos os presentes: através deles, saudou os povos ali representados.Logo depois, o papa propôs as suas reflexões sobre a finalidade e a missão da ONU.

Elas esperam dessa Instituição _ disse o pontífice _ que leve avante a inspiração que guiou a sua fundação, a de um "centro para a harmonização dos atos das nações no perseguir os fins comuns", a paz e o desenvolvimento (Carta das NN.UU.).Como o papa João Paulo II disse em 1995, a Organização deveria ser "centro moral, na qual todas as nações do mundo se sintam em sua casa, desenvolvendo a consciência comum de ser, por assim dizer, uma 'família de nações'".

Os princípios fundadores da Organização _ o desejo de paz, a busca da justiça, o respeito pela dignidade da pessoa, a cooperação humanitária e assistência _ expressam as justas aspirações do espírito humano e constituem os ideais que deveriam ser subjacentes às relações internacionais, destacou Bento XVI.Como os meus predecessores Paulo VI e João Paulo II observaram dessa mesma tribuna, trata-se de temas que a Igreja católica e a Santa Sé acompanham com atenção e com interesse, porque vêem nas atividades dos senhores que problemas e conflitos concernentes à comunidade mundial podem ser sujeitos a uma regulamentação comum.As NN.UU. encarnam a aspiração a "um grau superior de orientação internacional", inspirado e governado pelo princípio de subsidiariedade, e, portanto, capaz de responder às perguntas da família humana mediante regras internacionais vinculadoras e através de estruturas capazes de harmonizar o cotidiano desdobramento da vida dos povos, frisou o papa.

Isso é ainda mais necessário num tempo em que experimentamos o óbvio paradoxo de um consenso multilateral que continua em crise por causa da sua subordinação às decisões de poucos, ao tempo em que os problemas do mundo exigem intervenções na forma de ação coletiva por parte da comunidade internacional.

O papa ressaltou a necessidade de que todos os responsáveis internacionais ajam conjuntamente e demonstrem uma prontidão a atuar em boa fé, no respeito da lei e na promoção da solidariedade em relação às regiões mais remotas do planeta. Penso de modo particular nos países da África e de outras partes do mundo que permanecem à margem de um autêntico desenvolvimento integral, e por isso correm o risco de experimentar somente os efeitos negativos da globalização.

No contexto das relações internacionais, é necessário reconhecer o papel superior que desempenham as regras e as estruturas intrinsecamente ordenadas a promover o bem comum, e, portanto, a defender a liberdade humana. Tais regras não limitam a liberdade; pelo contrário, a promovem, quando proíbem comportamentos e atos que atuam contra o bem comum, criam obstáculo para o seu efetivo exercício e, por isso, comprometem a dignidade de toda pessoa humana.Em nome da liberdade deve existir uma correlação entre direitos e deveres, com a qual toda pessoa é chamada a assumir a responsabilidade das próprias escolhas, feitas conseqüentemente ao entrar em relação com os outros.Outro aspecto importante que o papa ressaltou diz respeito ao modo em que os resultados das descobertas da pesquisa científica e tecnológica foram por vezes aplicados.Apesar dos enormes benefícios que a humanidade pode adquirir delas, alguns aspectos de tal aplicação representam uma clara violação da ordem da criação, a ponto de não somente contradizer o caráter sagrado da vida, mas a própria pessoa humana e a família serem despojadas de sua identidade natural.

Do mesmo modo _ prosseguiu Bento XVI _ a ação internacional voltada a preservar o ambiente e a proteger as várias formas de vida sobre a terra não deve garantir somente um uso racional da tecnologia e da ciência, mas deve também redescobrir a autêntica imagem da criação. Isso jamais requer uma escolha a ser feita entre ciência e ética: trata-se, sobretudo, de adotar um método científico que seja verdadeiramente respeitoso dos imperativos éticos.Em seguida, Bento XVI destacou o tema do princípio de subsidiariedade - a ONU – os Estados. "Responsabilidade de proteger". Ajuda por parte da comunidade internacional não significa uma limitação de soberania, exige diálogo e reconciliação _ observou ele.

Todo Estado tem o dever primário de proteger a sua população de violações graves e contínuas dos direitos humanos, bem como das conseqüências das crises humanitárias, provocadas tanto pela natureza quanto pelo homem.Se os Estados não são capazes de garantir análoga proteção, a comunidade internacional deve intervir com os meios jurídicos previstos pela Carta das NN.UU. e por outros instrumentos internacionais. A ação da comunidade internacional e de suas instituições _ suposto o respeito pelos princípios que estão na base da ordem internacional _ jamais deve ser interpretada como uma imposição indesejada e uma limitação de soberania.Pelo contrário _ observou o Santo Padre _ é a indiferença ou a falta de intervenção que produzem dano real.

Aquilo que é necessário é uma busca mais profunda de modos de prevenir e controlar os conflitos, explorando todo possível caminho diplomático e dando atenção e encorajamento aos mais sutis sinais de diálogo ou de desejo de reconciliação.O princípio da "responsabilidade de proteger" era considerado pelo antigo ius gentium como fundamento de toda ação empreendida pelos governos em relação aos governados: no tempo em que o concerto de Estados nacionais soberanos estava se desenvolvendo, o frei dominicano Francisco de Vitória, justamente considerado precursor da idéia das Nações Unidas _ continuou o pontífice _ havia descrito tais responsabilidades como um aspecto da razão natural partilhada por todas as nações, e como o resultado de uma ordem internacional cuja tarefa era de regular as relações entre os povos.

Outro tema importante do discurso do Santo Padre aos representantes das nações foi o da importância da justa visão da pessoa humana. Ora, como então, tal princípio deve invocar a idéia da pessoa como imagem do Criador, o desejo de uma absoluta e essencial liberdade.A fundação das NN.UU, como sabemos _ frisou o Santo Padre _ coincide com a profunda rejeição experimentada pela humanidade quando foi abandonada a referência ao significado da transcendência e da razão natural, e conseqüentemente, foram gravemente violadas a liberdade e a dignidade do homem.Quando isso acontece, são ameaçados os fundamentos objetivos dos valores que inspiram e governam a ordem internacional e são ameaçadas as bases daqueles princípios congênitos e invioláveis formulados e consolidados pelas NN.UU.

Quando se está diante de novos e insistentes desafios, é um erro voltar atrás a uma atitude pragmática, limitada a determinar "um terreno comum" mínimo nos conteúdos e frágil em seus efeitos.A referência à dignidade humana, que é o fundamento e o objetivo da responsabilidade de proteger, nos leva ao tema sobre o qual fomos convidados a concentrar-nos este ano, que marca o 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Reconhecer o fundamento religioso é necessário pela sua universalidade e para salvaguardar os direitos, apesar dos contextos sociopolíticos particulares contrastantes.O documento foi o resultado de uma convergência de tradições religiosas e culturais, todas motivadas pelo desejo comum de colocar a pessoa humana no centro das instituições, leis e intervenções da sociedade; e de considerar a pessoa humana essencial para o mundo da cultura, da religião e da ciência.

Os direitos humanos são sempre mais apresentados como linguagem comum e substrato ético das relações internacionais. Ao mesmo tempo, a universalidade, a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos servem todos como garantias para a salvaguarda da dignidade humana.É evidente, todavia _ observou Bento XVI _ que os direitos reconhecidos e delineados na Declaração se aplicam a cada um em virtude da origem comum da pessoa, a qual permanece sendo o ponto mais alto do desígnio criador de Deus para o mundo e para a história. Tais direitos estão baseados na lei natural inscrita no coração do homem e presente nas diversas culturas e civilizações.

Remover os direitos humanos desse contexto significaria restringir o seu âmbito e ceder a uma concepção relativista, segundo a qual o significado e a interpretação dos direitos poderiam variar e a sua universalidade seria negada em nome de contextos culturais, políticos, sociais e até mesmo religiosos diferentes. Todavia _ continuou o papa _ não se deve permitir que tal ampla variedade de pontos de vista obscureça o fato de que não somente os direitos são universais, mas o é também a pessoa humana, sujeito desses direitos.A vida da comunidade, em nível tanto nacional quanto internacional, mostra claramente que o respeito pelos direitos e as garantias que lhe são próprias são medidas do bem comum que servem para avaliar a relação entre justiça e injustiça, desenvolvimento e pobreza, segurança e conflito.

A promoção dos direitos humanos permanece sendo a estratégia mais eficaz para eliminar as desigualdades entre países e grupos sociais, bem como para um aumento da segurança... o bem comum que os direitos humanos ajudam a alcançar não se pode realizar simplesmente com a aplicação de procedimentos corretos e nem mesmo diante de um simples equilíbrio entre direitos contrastantes _ observou o pontífice.O mérito da Declaração Universal é o de ter permitido a diferentes culturas, expressões jurídicas e modelos institucionais, de convergir em torno de um núcleo fundamental de valores e, portanto, de direitos.Bento XVI prosseguiu dizendo que hoje, porém, é necessário redobrar os esforços diante das pressões a reinterpretar os fundamentos da Declaração e de comprometer a sua unidade íntima, de modo a facilitar um distanciamento da proteção da dignidade humana para satisfazer simples interesses, muitas vezes interesses particulares.

A Declaração foi adotada como "concepção comum a ser perseguida" (preâmbulo) e não pode ser aplicada por partes separadas, segundo tendências ou escolhas seletivas que correm simplesmente o risco de contradizer a unidade da pessoa humana e por isso a indivisibilidade dos direitos humanos.A experiência nos ensina que muitas vezes a legalidade prevalece sobre a justiça quando a insistência sobre os direitos humanos os faz aparecer como o exclusivo resultado de providências legislativas ou de decisões normativas tomadas pelas várias agências daqueles que estão no poder.Quando são apresentados simplesmente em termos de legalidade, os direitos correm o risco de se tornar frágeis proposições separadas da dimensão ética e racional, que é o seu fundamento e finalidade.

Pelo contrário _ observou ainda _ a Declaração Universal reforçou a convicção de que o respeito pelos direitos humanos está radicado principalmente na justiça que não muda, na qual se baseia também a força vinculadora das proclamações internacionais. Tal aspecto é muitas vezes não observado quando se tenta privar os direitos da sua verdadeira função em nome de uma estéril perspectiva utilitarista.

Bento XVI ressaltou os novos desafios: O discernimento, isto é, a capacidade de distinguir o bem do mal, se torna ainda mais essencial no contexto de exigências que dizem respeito às próprias vidas e aos comportamentos das pessoas, das comunidades e dos povos...O discernimento mostra como confiar de modo exclusivo aos Estados singularmente considerados, com as suas leis e instituições, a responsabilidade última de ir ao encontro das aspirações de pessoas, comunidades e povos inteiros pode por vezes ter conseqüências que excluem a possibilidade de uma ordem social respeitosa da dignidade e dos direitos da pessoa.

As NN.UU. _ disse o Santo Padre _ podem contar com os resultados do diálogo entre religiões e usufruir da disponibilidade dos fiéis a colocar as suas experiências a serviço do bem comum. A sua tarefa é a de propor uma visão da fé não em termos de intolerância, de discriminação e de conflito, mas em termos de respeito total da verdade, da consciência, dos direitos e da reconciliação.

Obviamente, os direitos humanos devem incluir o direito de liberdade religiosa, inclusive como expressão de uma dimensão que é, ao mesmo tempo, individual e comunitária, uma visão que manifesta a unidade da pessoa, embora distinguindo claramente entre a dimensão de cidadão e a de fiel.

O Santo Padre concluiu seu denso discurso afirmando que as NN.UU. permanecem sendo um lugar privilegiado no qual a Igreja está comprometida a levar a sua experiência "em humanidade", desenvolvida ao longo dos séculos entre povos de toda raça e cultura, e a colocá-la à disposição de todos os membros da comunidade internacional. Ademais, essa experiência e atividade _ voltada a obter a liberdade para todo fiel _ busca aumentar a proteção oferecida aos direitos da pessoa. (RL)

16 abril 2008

TEXTO INTEGRAL DO DISCURSO PROFERIDO PELO PAPA NA CERIMÔNIA DE BOAS-VINDAS AOS EUA

Senhor Presidente,

Obrigado pelas gentis boas-vindas em nome de todo o povo dos EUA. Aprecio profundamente seu convite para visitar este grande país. Minha chegada coincide com um momento importante para a comunidade católica da América, ou seja, a celebração do segundo centenário da elevação a arquidiocese metropolitana da primeira diocese do país, Baltimore, e a fundação das sedes de Nova York, Boston, Filadélfia e Louisville. Estou também muito feliz por ser hóspede de todos os americanos.

Venho como amigo e anunciador do Evangelho, como uma pessoa que respeita muito esta vasta sociedade pluralista. Os católicos americanos ofereceram e continuam a oferecer uma excelente contribuição para a vida de seu país. Ao iniciar esta visita, espero que minha presença possa ser uma fonte de renovação e esperança para a Igreja nos Estados Unidos e reforce a determinação dos católicos em contribuir com ainda mais responsabilidade na vida da nação, da qual são orgulhosos de ser cidadãos.

Desde as origens da República, a busca de liberdade na América sempre foi inspirada pela convicção de que os princípios que governam a vida política e social estão intimamente relacionados com uma ordem moral baseada na realeza de Deus Criador. Os redatores dos documentos constitutivos desta Nação se basearam nesta convicção quando proclamaram a ‘verdade evidente por si mesma’, que todos os homens são criados iguais e dotados de direitos inalienáveis, fundados na lei natural e no Deus desta natureza. O caminho da história americana evidencia as dificuldades, as lutas e a grande determinação intelectual e moral que foram necessárias para formar uma sociedade que incorporasse fielmente esses nobres princípios. Ao longo deste processo, que forjou a alma desta Nação, as crenças religiosas foram uma inspiração constante e uma força orientadora como, por exemplo, na luta à escravidão e no movimento pelos direitos civis. Ainda em nossos tempos, especialmente nos momentos de crise, os americanos continuam a encontrar energias na adesão a este patrimônio de ideais e aspirações compartilhados.

Aguardo com alegria a ocasião de encontrar, nos próximos dias, não só a comunidade católica dos EUA, mas também outras comunidades cristãs e delegações de muitas tradições religiosas presentes neste país. Historicamente, não somente os católicos, mas todos os fiéis encontraram aqui a liberdade de adorar a Deus segundo os princípios de sua consciência, sendo ao mesmo tempoaceitos como integrantes desta confederação, na qual todo indivíduo e todo grupo pode fazer ouvir a sua voz. Agora, que a Nação deve enfrentar gestões políticas e éticas sempre mais complexas, acredito que os americanos poderão encontrar, em suas crenças religiosas, uma fonte preciosa de discernimento e uma inspiração para perseguir um diálogo inteligente, responsável e respeitoso no esforço de edificar uma sociedade mais humana e livre.

A liberdade não é apenas um dom, mas também um apelo à responsabilidade pessoal. Os americanos o sabem, por experiência. Quase todas as cidades deste país possuem monumentos em homenagem àqueles que sacrificaram suas vidas em defesa da liberdade, seja na própria terra, seja em outras. A defesa da liberdade convida a cultivar virtudes, autodisciplina, sacrifício pelo bem comum e um sentido de responsabilidade em relação aos menos favorecidos. Exige também a coragem de se engajar na vida civil, levando as próprias crenças religiosas e valores mais profundos a um debate público sensato. Resumindo, a liberdade é sempre nova. Trata-se de um desafio apresentado a todas as gerações, que deve ser constantemente vencido em prol da causa do bem (cfr Spe Salvi, 24). Poucos compreenderam isto de modo tão lúcido como o Papa João Paulo II, de venerada memória. Ao refletir sobre a vitória espiritual da liberdade sobre o totalitarismo em sua nativa Polônia e no Leste da Europa, ele nos recordou que a história evidencia, tantas vezes, que “em um mundo sem verdade, a liberdade perde o próprio fundamento”, e uma democracia sem valores pode perder a sua própria alma (cfr. Centesimus annus, 46). Essas palavras proféticas repercutem de certa forma a convicção do Presidente Washington, expressa em seu discurso de despedida, de que a religião e a moralidade são ‘bases indispensáveis’ da prosperidade política.

A Igreja, por sua vez, deseja contribuir para a construção de um mundo melhor, mais digno da pessoa humana criada à imagem e semelhança de Deus. Ela está convencida de que a fé oferece uma nova luz sobre as coisas e que o Evangelho revela a nobre vocação e o sublime destino de todo homem e mulher (cfr Gaudim et spes, 10). Além disso, a fé nos oferece a força para responder à nossa nobre vocação e a esperança que nos inspira a atuar por uma sociedade sempre mais justa e fraterna. Como seus Pais fundadores bem o sabiam, a democracia pode florescer somente quando os líderes políticos e os que são representados por eles são conduzidos pela verdade e possuem a sabedoria, gerada pelo princípio moral, para as decisões que dizem respeito à vida e ao futuro da Nação.

Há mais de um século, os EUA desempenham um papel importante na comunidade internacional. Sexta-feira próxima, se Deus quiser, terei a honra de proferir um discurso na Organização das Nações Unidas, onde espero encorajar os esforços que estão sendo feitos para tornar aquela instituição uma voz ainda mais eficaz para as legítimas aspirações de todos os povos do mundo. A respeito, no 60º aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, a exigência de uma solidariedade global é mais urgente do que nunca se quisermos que todos possam viver de modo adequado à sua dignidade, como irmãos e irmãs que vivem na mesma casa, ao redor da mesa que a bondade de Deus preparou para todos os seus filhos. A América sempre se demonstrou generosa indo ao encontro das necessidades humanas mais imediatas, promovendo o desenvolvimento e oferecendo conforto às vítimas de catástrofes naturais. Confio que tal preocupação pela grande família humana continuará a expressar-se, ao sustentar os esforços pacientes da diplomacia internacional para solucionar os conflitos e promover o progresso. Assim, as gerações futuras poderão viver em um mundo no qual a verdade, a liberdade e a justiça possam florescer; um mundo no qual a dignidade e os direitos dados por Deus a todos os homens, mulheres e crianças sejam levados em consideração, protegidos e promovidos eficazmente.

Senhor Presidente, queridos amigos: enquanto começo esta visita aos EUA, quero expressar mais uma vez a minha gratidão pelo convite que me foi dirigido, a alegria de estar em meio a vocês e a minha fervorosa oração a Deus Todo-poderoso para que confirme esta Nação e seu povo nos caminhos da justiça, da prosperidade e da paz. Deus abençoe os Estados Unidos!

13 abril 2008

CELEBRA-SE HOJE O DIA MUNDAL DE ORAÇÃO PELAS VOCAÇÕES. OS NÚMEROS DO ANUÁRIO ESTATÍSTICO DA IGREJA


Cidade do Vaticano, 13 abr (RV) - A Igreja Católica celebra hoje, 13 de abril, o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, num momento em que, seguindo uma tendência que se iniciou em 2000, aumenta o número de sacerdotes (407 mil), com destaque para a América, África e Ásia. Ásia e da África possuem mais de 20% do total de sacerdotes do mundo. Europa e América, que representavam juntas 81% em 2000, em 2006 somavam 78%.


O número de seminaristas comprova de forma ainda mais clara esta tendência: em 2006, em cada 100 candidatos ao sacerdócio, 32 eram da América, 27 asiáticos, 21 africanos, 19 europeus e 1 da Oceania. Segundo o último Anuário Estatístico da Igreja, o número total de sacerdotes no mundo, em 31 de dezembro de 2005, era de 406. 411; os religiosos não-sacerdotes 54.708; as religiosas 760.529; os seminaristas maiores, diocesanos e religiosos, 114.439; os seminaristas menores, diocesanos e religiosos, 102.042. Examinando os anos precedentes, de 1997 a 2005, nota-se um aumento global de sacerdotes (marcado pelo aumento constante de diocesanos e uma redução igualmente constante de religiosos); uma redução de religiosos não-sacerdotes, bem como das religiosas; um aumento de seminaristas maiores e enfim, um reduzido número de seminaristas menores.“As vocações ao Serviço da Igreja–missão” é o tema da mensagem de

Bento XVI para o 45º Dia Mundial de Oração pelas Vocações.


Na mensagem, o papa afirma que “a Igreja é missionária em toda a sua dimensão e em todos os seus membros”, já que pelos sacramentos do Batismo e Confirmação, todo o cristão é chamado a testemunhar e a anunciar o espírito desenvolvendo sua dimensão missionária. Bento XVI recorda os homens e mulheres que dedicam, de forma mais expressiva, a sua vida a Deus, “aqueles que são chamados, são escolhidos e enviados em Seu nome, na missão de serem profetas e sacerdotes”.


O Papa enaltece o papel que muitos homens e mulheres assumem dedicando totalmente a sua vida a Cristo, professando votos de castidade, pobreza e obediência, homens e mulheres que pertencem a congregações de vida contemplativa ou que, na vida ativa, desempenham um papel essencial na evangelização do mundo. Bento XVI conclui sua mensagem referindo-se ao papel das famílias cristãs e das comunidades: “Para que a Igreja possa continuar a desenvolver sua missão e para que nunca faltem os evangelizadores de que o mundo precisa, as comunidades cristãs devem continuar a se comprometer, apostar na educação cristã de seus filhos e desenvolver a fé dos adultos”.

07 abril 2008

Carta de um Bebê

Oi mamãe, tudo bom?

Eu estou bem, graças a Deus faz apenas alguns dias que você me concebeu em sua barriguinha.Na verdade, não posso explicar como estou feliz em saber que você será minha mamãe, outra coisa que me enche de orgulho é ver o amor com que fui concebido.

Tudo parece indicar que eu serei a criançamais feliz do mundo !!!!!!Mamãe, já passou um mês desde que fui concebido, e já começo a ver como omeu corpinho começa a se formar, quer dizer, não estou tão lindo como você, mas me dê uma oportunidade !!!!!! Estou muito feliz!!!!!!

Mas tem algo que me deixa preocupado... Ultimamente me dei conta de que há algo na suacabeça que não me deixa dormir, mas tudo bem, isso vai passar, não se desespere.Mamãe, já passaram dois meses e meio, estou muito feliz comminhas novas mãos e tenho vontade de usá-las para brincar...
Mamãezinha me diga o que foi? Por que você chora tanto todas as noites?? Porque quando você e o papai se encontram, gritam tanto um com o outro? Vocês não me querem mais ou o que?Vou fazer o possível para que me queiram...

Já passaram 3 meses, mamãe, te noto muito deprimida, não entendoo que está acontecendo, estou muito confuso. Hoje de manhã fomos ao médico e ele marcouuma visita amanhã.
Não entendo, eu me sinto muito bem....por acaso você se sente mal mamãe?

Mamãe, já é dia, onde vamos? O que está acontecendo mamãe?? Porque choras??Não chore, não vai acontecer nada...Mamãe, não se deite, ainda são 2 horas da tarde, não tenho sono, quero continuar brincando com minhas mãozinhas.

Ei !!!!!! O que esse tubinhoestá fazendo na minha casinha?? É um brinquedo novo?? Olha !!!!!! Ei, porque estão sugando minha casa?? Mamãe !!!!

Espere, essa é a minha mãozinha!!!!Moço, porque a arrancou?? Não vê que me machuca?? Mamãe, me defenda !!!!!!Mamãe, me ajude !!!!!!!! Não vê que ainda sou muito pequeno para me defender sozinho??

Mãe, a minha perninha, estão arrancando. Diga para eles pararem, juro a você que vou me comportar bem e que não vou mais te chutar.

Como é possível que um ser humano possa fazer isso comigo? Ele vai ver só quando eu for grande e forte.....ai.....mamãe, já não consigo mais...ai...mamãe, mamãe, me ajude...

Mamãe, já se passaram 17 anos desde aquele dia, e eu daqui de cima observo como ainda te machucater tomado aquela decisão.

Por favor, não chore, lembre-seque te amo muito e que estarei aqui te esperando com muitos abraços e

beijos.Te amo muito

Seu bebê.

Prece pelos Nascituros

Ò Senhora Nossa, Maria Santíssima, carregados de imperfeições, pecados e vícios, ousamos suplicar a Vossa presença. Não queremos pedir ouro, prata ou riqueza alguma, ou falar de nossas necessidades espirituais. Queremos apenas suplicar pela vida daqueles a quem é negado o direito sagrado de nascer, pela vida daqueles que têm a vida ameaçada por aqueles que a deveriam defender.
Ò Senhora, iluminai as mulheres que têm o poder de gerar, mostrai-lhes o quanto é maravilhoso ser mãe. Despertai a consciência dos médicos, para que jamais cortem essas flores em botão, sob o pretexto de proteção à vida das mães.
Ó vencedora de grandes batalhas de Deus, fazei que os homens compreendam que não é a fecundidade humana que torna o mundo pequeno, e sim as injustiças e a ambição desenfreada.
Ó Senhora Protetora dos Nascituros, fazei valer a Vossa onipotência suplicante diante do trono do Divino Salvador, a quem protegestes contra a perseguição de Herodes, fugindo para o Egito.
Finalmente Vos pedimos, Senhora: multiplicai o número dos apóstolos da vida, fazei que sejam tão numerosos quanto as estrelas do céu e as areias da praia para que os partidários do aborto e as mães e pais indignos deste nome se sintam confundidos e humilhados e, reconhecendo a sua crueldade, se voltem para Deus, fonte da vida. Fazei que, o quanto antes, seja proclamada a vitória da vida sobre a morte, e o sorriso das crianças seja a alegria de todos os lares. Amém.
Imprimatur em 13 de maio de 1999.D. Augusto Zini FilhoVigário Geral e Moderador da Cúria

Eu fiz cinco mil abortos...

Dr. Bernard N. Nathanson

Este texto é de uma conferência proferida pelo Dr. Bernard N. Nathanson no "Colegio Médico de Madrid", publicada pela revista FUERZA NUEVA, de onde se transcreveu. O testemunho é sumamente valioso tendo em conta a personalidade do autor, um dos mais importantes defensores do aborto em seu país (EE.UU.)
É importante que vocês se dêem conta que fui um dos fundadores da organização mais importante que "vendia" aborto ao povo norte-americano. Havia mais outros dois membros: o Sr. Lawrence Lader e uma senhorita que pertencia ao movimento feminista.

Em 1968, quando organizamos o movimento calcula-se que menos de 1% era partidário da liberação do aborto, ou seja, de 100 pessoas, 99 estavam contra e nosso orçamento era de 7.500 dólares anuais enquanto em 1982 já se aproximava de um milhão de dólares.

Vou explicar-lhes como estabelecemos o plano para convencer essas 199 milhões de pessoas em um país de 200 milhões para que o aborto fosse aceito.
As táticas que vou explicar são seguras e além disso são as mesmas que se estabeleceram em outros países e também as que se utilizam na Espanha e nas demais nações.

Serviram-nos de base duas grandes mentiras: a falsificação de estatísticas e pesquisas que dizíamos haver feito e a escolha de uma vítima que afirmasse que o mal do aborto não se aprovaria na América do Norte. Essa vítima foi a Igreja Católica, ou melhor dizendo, sua hierarquia de bispos e cardeais.

Quando mais tarde os pró-abortistas usavam os mesmos "slogans" e argumentos que eu havia preparado em 1968, ria muito porque eu havia sido um de seus inventores e sabia muito bem que eram mentiras.

Falsificação das estatísticas
É uma tática importante. Dizíamos, em 1968, que na América se praticavam um milhão de abortos clandestinos, quando sabíamos que estes não ultrapassavam de cem mil, mas esse número não nos servia e multiplicamos por dez para chamar a atenção. Também repetíamos constantemente que as mortes maternas por aborto clandestino se aproximavam de dez mil, quando sabíamos que eram apenas duzentas, mas esse número era muito pequeno para a propaganda. Esta tática do engano e da grande mentira se se repete constantemente acaba sendo aceita como verdade.

Nós nos lançamos para a conquista dos meios de comunicações sociais, dos grupos universitários, sobretudo das feministas. Eles escutavam tudo o que dizíamos, inclusive as mentiras, e logo divulgavam pelos meios de comunicações sociais, base da propaganda.
É importantíssimo que vocês se preocupem com os meios de comunicações sociais porque, segundo explicam os fatos, assim se infiltrarão as idéias entre a população. Se na Espanha esses meios não estão dispostos a dizer a verdade, vocês se encontram na mesma situação que criamos nos EE. UU.em 1968/69, quando contávamos através desses meios todas as mentiras que acabo de mencionar.

Outra prática eram nossas próprias invenções. Dizíamos, por exemplo, que havíamos feito uma pesquisa e que 25 por cento da população era a favor do aborto e três meses mais tarde dizíamos que eram 50 por cento, e assim sucessivamente. Os americanos acreditavam e como desejavam estar na moda, formar parte da maioria para que não dissessem que eram "atrasados", se uniam aos "avançados".

Mais tarde fizemos pesquisas de verdade e pudemos comprovar que pouco a pouco iam aparecendo os resultados que havíamos inventado; por isso sejam muito cautelosos sobre as pesquisas que se fazem sobre o aborto. Porque apesar de serem inventadas têm a virtude de convencer inclusive os magistrados e legisladores, pois eles como qualquer outra pessoa lêem jornais, ouvem rádio e sempre fica alguma coisa em sua mente.

A Hierarquia Católica eleita como vítima

Uma das táticas mais eficazes que utilizamos naquela época foi o que chamamos de "etiqueta católica". Isso é importante para vocês, porque seu país é majoritariamente católico.

Em 1966 a guerra do Vietnam não era muito aceita pela população. A Igreja Católica a aprovava nos Estados Unidos. Então escolhemos como vítima a Igreja Católica e tratamos de relacioná-la com outros movimentos reacionários, inclusive no movimento anti-abortista. Sabíamos que não era bem assim mas com esses enganos pusemos todos os jovens e as Igrejas Protestantes, que sempre olhava com receio a Igreja Católica, contra ela. Conseguimos inculcar a idéia nas pessoas de que a Igreja Católica era a culpada da não aprovação da lei do aborto. Como era importante não criar antagonismos entre os próprios americanos de distintas crenças, isolamos a hierarquia, bispos e cardeais como os "maus". Essa tática foi tão eficaz que, ainda hoje, se emprega em outros países. Aos católicos que se opunham ao aborto se lhes acusava de estar enfeitiçados pela hierarquia e os que o aceitavam se lhes considerava como modernos, progressistas, liberais e mais esclarecidos. Posso assegurar-lhes que o problema do aborto não é um problema do tipo confessional. Eu não pertenço a nenhuma religião e em compensação estou lhes falando contra o aborto.

Também quero dizer-lhes que hoje nos Estados Unidos a direção e liderança do movimento antiabortista passou da Igreja Católica para as Igrejas Protestantes. Há também outras igrejas que se opõem, como as Ortodoxas, Orientais, a Igreja de Cristo, os Batistas Americanos, Igrejas Luteranas Metodistas da África, todo o Islã, o judaísmo Ortodoxo, os Mórmons, as Assembléias de Deus e os Presbiterianos.

Outra tática que empregamos contra a Igreja Católica foi acusar seus sacerdotes, quando tomavam parte nos debates públicos contra o aborto, de meter-se em política e de que isso era anticonstitucional. O público acreditou facilmente apesar da falácia do argumento ser clara.

Dirigi a partir de 1971 a maior clínica de aborto do mundo
Foi o Centro de Saúde Sexual (CRANCH), situado ao leste de Nova York. Tinha 10 salas de cirurgia e 35 médicos sob minhas ordens. Realizávamos 120 abortos diários, incluindo domingos e feriados e somente no dia de Natal não trabalhávamos. Quando assumi a clínica estava tudo sujo e nas piores condições sanitárias. Os médicos não lavavam as mãos entre um aborto e outro e alguns eram feitos por enfermeiras ou simples auxiliares. Consegui modificar tudo aquilo e transformá-la em uma clínica modelo em seu gênero, e como Chefe de Departamento, tenho que confessar que 60.000 abortos foram praticados sob minhas ordens e uns 5.000 foram feitos pessoalmente por mim.

Lembro que numa festa que organizamos algumas esposas dos médicos me contaram que seus maridos sofriam pesadelos durante a noite e, gritando, falavam de sangue e de corpos de crianças cortados. Outros bebiam demasiadamente e alguns usavam drogas. Alguns deles tiveram que ser visitados por psiquiatras. Muitas enfermeiras se tornaram alcoólatras e outras abandonaram a clínica chorando. Foi para mim uma experiência sem precedentes.

Em setembro de 1972 apresentei minha demissão porque já havia conseguido meu objetivo, que era colocar a clínica em funcionamento. Naquela época, digo sinceramente, não deixei a clínica porque estivesse contra o aborto; deixei-a porque tinha outros compromissos a cumprir. Fui nomeado Diretor do Serviço de Obstetrícia do Hospital de São Lucas de Nova York, onde iniciei a criação do serviço de Fetologia. Estudando o feto, no interior do útero materno, pude comprovar que é um ser humano com todas suas características a quem deve ser outorgado todos os privilégios e vantagens que desfruta qualquer cidadão na sociedade ocidental.

Do estudo do feto vivo no interior do útero tirei esta conclusão:

Talvez alguém pense que antes de meus estudos devia saber, como médico, e além disso como ginecologista, que o ser concebido era um ser humano. Evidentemente sabia disso, mas não o havia comprovado, eu mesmo, cientificamente. As novas tecnologias nos ajudam a conhecer com maior exatidão sua natureza humana e não considerá-lo como um simples pedaço de carne. Hoje, com técnicas modernas, pode-se tratar no interior do útero muitas doenças, inclusive fazer mais de 50 tipos de cirurgias. Foram esses argumentos científicos que mudaram meu modo de pensar. O fato é que: se o ser concebido é um paciente que pode ser submetido a um tratamento, então é uma pessoa e, se é uma pessoa, tem o direito à vida e a que nós procuremos conservá-la.

Gostaria de fazer um breve comentário ao Projeto de Lei sobre aborto apresentado na Espanha
(Nota: esse projeto de lei já foi aprovado.)
É a mesma que está em vigor no Canadá, ou seja, em casos de estupro, sub-normalidade e nos casos de risco à saúde da mãe.

O estupro é sem dúvida uma situação muito dolorosa. Afortunadamente poucos estupros são seguidos de gravidez. Mas mesmo nesse caso, o estupro, que é um terrível ato de violência, não pode ser seguido de outro não menos terrível como é a destruição de um ser vivo. Portanto tratar de apagar uma horrível violência com outra também horrível não parece lógico; é simplesmente um absurdo, e na realidade o que faz é aumentar o trauma da mulher ao destruir uma vida inocente. Porque essa vida tem um valor em si mesma ainda que tenha sido criada em circunstâncias terríveis, circunstâncias que nunca poderiam justificar sua destruição.

Posso assegurar-lhes que muitos dos que estamos aqui fomos concebidos em circunstâncias que não foram as ideais, talvez sem amor, sem calor humano, porém isso não nos modifica em absoluto nem nos estigmatiza. Portanto, recorrer ao aborto em caso de estupro é algo ilógico e desumano.

Vou me referir à saúde da mãe. Sempre disse que defenderia o aborto se a saúde física da mulher estivesse em perigo imediato de morte caso continuasse sua gravidez. Mas hoje, com os avanços da medicina, esse caso praticamente não existe. Portanto o argumento é enganoso, porque simplesmente não é certo.
Finalmente vou considerar o caso do feto defeituoso. Esse é um assunto muito delicado porque significa que aspiramos uma sociedade formada por pessoas fisicamente perfeitas, e sem medo de me equivocar posso assegurar que nesta sala não há uma única pessoa que seja fisicamente perfeita. É perigosíssimo aceitar esse princípio porque desembocaria num holocausto.

Posso assegurar-lhes que inclusive as crianças mangólicas são queridas.` Vou contar-lhes uma história.

Quando estive na Nova Zelândia com minha esposa, um dia almoçamos com o Sir William Lilley, que é um dos fetologistas mais importante do mundo e nos contou que tivera quatro filhos que já eram maiores, e ao ficar o casal sozinho adotaram uma criança mongólica, disse-me que esse filho adotivo lhes havia proporcionado mais alegria que qualquer um dos outros quatro filhos.

Posso assegurar-lhes que se esse tipo de lei for aprovada na Espanha se abusará dela e será utilizada para justificar o aborto em todos os casos.
Isso foi o que ocorreu no Canadá. Os médicos, simplesmente colocam uma etiqueta nos pedidos de aborto e todo mundo acha graça deles e da lei.

Penso que quando se permite o aborto, permite-se um ato de violência mortal, um ato deliberado de destruição e portanto um crime.

Posso assegurar-lhes que se a Espanha seguir o caminho do aborto, os três Selos do Apocalipse que são a delinqüência violenta, a droga e a eutanásia não tardarão de aparecer em seguida, como está se sucedendo na América. Quero terminar com estas palavras:

Como cientista, não é que eu acredite, mas é que sei que a vida começa no momento da concepção e deve ser inviolável. Considere que não professo nenhuma religião, penso que existe uma Divindade que nos ordena por fim neste triste, inexplicável e vergonhoso crime contra a humanidade. Se não saímos vitoriosos e omitimos nossa completa dedicação a esta causa tão importante, a História nunca nos perdoará.

(Traduzido pela Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família - PROVIDAFAMÍLIA do folheto "Yo practiqué cinco mil abortos" publicado por Vida Humana Internacional, 45 S.W. 71st Ave., Miami, Flórida 33144 - USA Tel: (305) 260-0560; FAX : (305) 260-0595; E-mail: latinos@vidahumana.org. Com autorização do editor.)

Obrigado...!!!

Obrigado porque tiveste na tua vida um lugar para a minha vida, renunciando a tantas coisas boas que poderias ter saboreado. Porque – mais do que isso – fizeste da tua vida um lugar para a minha. E de muitas maneiras morreste para que eu pudesse viver.

Porque não eras corajosa, mas tiveste a coragem de embarcar numa aventura que sabias não ter retorno.

Porque não fizeste as contas para avaliar se a minha chegada era conveniente: abriste simplesmente os braços quando eu vim.

Porque não só me aceitaste como era, como estavas disposta a aceitar-me fosse eu como fosse. Porque dirias "o meu filhinho" mesmo que eu tivesse nascido deformado e me contarias histórias ainda que eu tivesse nascido sem orelhas. E me levarias ao colo mesmo que eu fosse leproso. E, mesmo com tudo isso, me mostrarias com orgulho às tuas amigas. Porque seria sempre o teu bebé lindo.

Devo-te isso, embora não tenha acontecido, porque o farias.

Obrigado porque não tiveste tempo para visitar as capitais da Europa. Porque as tuas amigas usavam um perfume de melhor qualidade que o teu. Porque, sendo mulher, chegaste a esquecer-te de que havia a moda.
Porque não te deixei dormir e estavas sorridente no dia seguinte. Porque foste muitas vezes trabalhar com manchas de leite na blusa. Porque me sossegaste dizendo "não chores, filho, que a mãe está aqui", e estar no teu regaço era tão seguro como dormir na palma da mão de Deus.

Obrigado porque é pensando em ti que posso entender Deus.

Obrigado porque não tiveste vergonha de mim quando eu fazia birras nos museus, ou me enfiava debaixo da mesa do restaurante porque queria comer um gelado antes da refeição. E porque suportaste que eu, na adolescência, tivesse vergonha de que os meus amigos me vissem contigo na rua.

Obrigado porque fizeste de costureira e aprendeste a fazer bolos. Porque fizeste roupas e máscaras para as festas da escola. Porque passaste uma boa parte dos fins de semana a ver jogos de rugby ou de futebol para que – quando eu perguntasse "viste-me, mãe, viste-me?" – pudesses responder com sinceridade e orgulho "é claro que te vi!".

Obrigado por o teu coração ser do tamanho de me teres dado irmãos. Como eu seria pobre se não os tivesse!

Obrigado pelas lágrimas que choraste e nunca cheguei a saber que choraste.

Obrigado porque me ralhaste quando me portei mal nas lojas, quando bati os pés com teimosia, quando "roubei" batatas fritas antes de o jantar estar servido, quando atirei a roupa suja para um canto do quarto.

Obrigado por me teres mandado para a escola quando não me apetecia e inventava desculpas. E por me teres mandado fazer tarefas da casa que tu farias bem melhor e muito mais depressa.

Obrigado por teres mantido a calma quando eu num dia de chuva fui consertar a bicicleta para a cozinha, ou quando arranjei uma namorada de cabelo verde...

Obrigado por teres querido conhecer os meus amigos, e por todas as vezes que não me deixaste sair à noite sem saberes muito bem com quem ia e onde ia.

Obrigado porque eu cresci e o teu coração parece ter também crescido. Porque me deste coragem. Porque aprovaste as minhas escolhas, e te mantiveste a meu lado apesar de ter passado a haver a distância. Porque levantas a cabeça – mesmo sabendo que eu estou muito longe – quando vais na rua e ouves alguém da multidão chamar: "mãe!".

Obrigado por guardares como tesouros os desenhos que fiz para ti na escola quando era, como hoje, o Dia da Mãe. E por ficares à janela a ver partir o carro, quando me vou embora, comovendo-te com os meus sinais de luzes.

Obrigado – já agora... – por não teres esquecido quais são os meus pratos favoritos; por o sótão da tua casa poder ser uma extensão do sótão da minha casa; por teres ainda no mesmo lugar a lata dos biscoitos...


Paulo Geraldo

Agostinho e as suas conversões modelo para todos os seres humanos

PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI Quarta-feira, 27 de Fevereiro de 2008
Queridos irmãos e irmãs!

Com o encontro de hoje gostaria de concluir a apresentação da figura de Santo Agostinho. Depois de termos analisado a sua vida, as suas obras e alguns aspectos do seu pensamento, hoje gostaria de falar de novo sobre a sua vicissitude interior, que fez dele um dos maiores convertidos da história cristã. Dediquei a esta sua experiência em particular a minha reflexão durante a peregrinação que realizei a Pavia, no ano passado, para venerar os despojos mortais deste Padre da Igreja. Deste modo quis expressar-lhe a homenagem de toda a Igreja católica, mas também tornar visível a minha pessoal devoção e reconhecimento em relação a uma figura à qual me sinto muito ligado pela parte que teve na minha vida de teólogo, de sacerdote e de pastor.

Ainda hoje é possível repercorrer a vicissitude de Santo Agostinho graças sobretudo às Confissões, escritas para louvor de Deus e que estão na origem de uma das formas literárias mais específicas do Ocidente, a autobiografia, isto é, a expressão pessoal da consciência de si. Pois bem, quem quer que tome conhecimento deste livro extraordinário e fascinante, ainda hoje muito lido, apercebe-se facilmente do modo como a conversão de Agostinho não tinha sido improvisada nem plenamente realizada desde o início, mas possa antes ser definida um verdadeiro caminho, que permanece um modelo para cada um de nós. Este itinerário teve certamente o seu ápice com a conversão e depois com o baptismo, mas não se concluiu naquela Vigília pascal do ano 387, quando em Milão o retórico africano foi baptizado pelo Bispo Ambrósio. De facto, o caminho de conversão de Agostinho prosseguiu humildemente até ao fim da sua vida, a ponto que se pode verdadeiramente dizer que as suas diversas etapas podem-se distinguir facilmente três são uma única grande conversão.

Santo Agostinho foi um pesquisador apaixonado da verdade: foi-o desde o início e depois em toda a sua vida. A primeira etapa do seu caminho de conversão realizou-se precisamente na progressiva aproximação ao cristianismo. Na realidade, ele tinha recebido da mãe Mónica, à qual permaneceu sempre muito ligado, uma educação cristã e, apesar de ter vivido durante os anos juvenis uma vida desregrada, sentiu sempre uma atracção profunda por Cristo, tendo bebido o amor pelo nome do Senhor com o leite materno, como ele mesmo ressalta (cf. Confessiones, III, 4, 8). Mas também a filosofia, sobretudo de índole platónica, tinha contribuído para o aproximar ulteriormente a Cristo manifestando-lhe a existência do Logos, a razão criadora. Os livros dos filósofos indicavam-lhe que há a razão, da qual vem depois todo o mundo, mas não lhe diziam como alcançar este Logos, que parecia tão distante. Só a leitura do epistolário de São Paulo, na fé da Igreja católica, lhe revelou plenamente a verdade. Esta experiência foi sintetizada por Agostinho numa das páginas mais famosas das Confessiones: ele narra que, no tormento das suas reflexões, tendo-se retirado num jardim, ouviu improvisamente uma voz infantil que repetia uma cantilena que nunca tinha ouvido: tolle, lege, tolle, lege, "toma, lê, toma, lê" (VIII, 12, 29). Recordou-se então da conversão de António, pai do monaquismo, e com solicitude voltou ao código paulino que até há pouco tinha nas mãos, abriu-o e o seu olhar caiu na passagem da epístola aos Romanos onde o Apóstolo exorta a abandonar as obras da carne e a revestir-se de Cristo (13, 13-14). Tinha compreendido que aquela palavra naquele momento se dirigia pessoalmente a ele, vinha de Deus através do Apóstolo e indicava-lhe o que fazer naquele momento. Sentiu assim dissipar-se as trevas da dúvida e encontrou-se enfim livre de se doar totalmente a Cristo: "Tinhas convertido a ti o meu ser", comenta ele (Confessiones, VIII, 12, 30). Foi esta a primeira e decisiva conversão.
O retórico africano chegou a esta etapa fundamental do seu longo caminho graças à sua paixão pelo homem e pela verdade, paixão que o levou a procurar Deus, grande e inacessível. A fé em Cristo fez-lhe compreender que Deus, aparentemente tão distante, na realidade não o era. Ele, de facto, tinha-se feito próximo de nós, tornando-se um de nós. Neste sentido a fé em Cristo levou a cumprimento a longa pesquisa de Agostinho sobre o caminho da verdade. Só um Deus que se fez "próximo", um de nós, era finalmente um Deus ao qual se podia rezar, pelo qual e com o qual se podia viver. Este é um caminho a percorrer com coragem e ao mesmo tempo com humildade, na abertura a uma purificação permanente da qual cada um de nós tem sempre necessidade. Mas com aquela Vigília pascal de 387, como dissemos, o caminho de Agostinho não estava concluído. Tendo regressado à África e fundado um pequeno mosteiro retirou-se aí com poucos amigos para se dedicar à vida contemplativa e de estudo. Este era o sonho da sua vida. Agora era chamado a viver totalmente pela verdade, com a verdade, na amizade de Cristo que é a verdade. Um sonho agradável que durou três anos, até quando foi consagrado sacerdote, a seu mau grado, em Hipona e destinado a servir os fiéis, continuando a viver com Cristo e por Cristo, mas ao serviço de todos. Isto era para ele muito difícil, mas compreendeu desde o início que só vivendo para os outros, e não simplesmente para a sua contemplação particular, podia realmente viver com Cristo e por Cristo. Assim, renunciando a uma vida apenas de meditação, Agostinho aprendeu, muitas vezes com dificuldade, a pôr à disposição o fruto da sua inteligência em benefício do próximo. Aprendeu a comunicar a sua fé ao povo simples e a viver assim para ela naquela que se tornou a sua cidade, desempenhando incansavelmente uma actividade generosa e difícil que descreve do seguinte modo num dos seus belos sermões: "Continuamente pregar, discutir, repreender, edificar, estar à disposição de todos é uma grande tarefa, um grande peso, uma enorme fadiga" (Serm. 339, 4). Mas ele assumiu sobre si este peso, compreendendo que precisamente assim podia estar mais próximo de Cristo. Compreender que se chega aos outros com simplicidade e humildade, foi esta a sua verdadeira e segunda conversão.

Mas há uma última etapa do caminho agostiniano, uma terceira conversão: a que o levou todos os dias da sua vida a pedir perdão a Deus. Inicialmente tinha pensado que quando fosse baptizado, na vida de comunhão com Cristo, nos Sacramentos, na celebração da Eucaristia, teria alcançado a vida proposta pelo Sermão da montanha: a perfeição doada no baptismo e reconfirmada na Eucaristia. Na última parte da sua vida compreendeu que o que tinha dito nas suas primeiras pregações sobre o Sermão da montanha isto é, que agora nós como cristãos vivemos este ideal permanentemente era errado. Só Cristo realiza verdadeira e completamente o Sermão da montanha. Nós temos sempre necessidade de ser lavados por Cristo, que nos lava os pés, e por Ele renovados. Temos necessidade de uma conversão permanente. Até ao fim temos necessidade desta humildade que reconhece que somos pecadores a caminho, enquanto o Senhor nos dá a mão definitivamente e nos introduz na vida eterna. Agostinho faleceu com esta última atitude de humildade, vivida dia após dia.

Esta atitude de humildade profunda diante do único Senhor Jesus introduziu-o na experiência de humildade também intelectual. De facto, Agostinho, que é uma das maiores figuras na história do pensamento, quis nos últimos anos da sua vida submeter a um lúcido exame crítico as suas numerosas obras. Tiveram assim origem as Retractationes ("revisões"), que deste modo inserem o seu pensamento teológico, verdadeiramente grande, na fé humilde e santa daquela a que chama simplesmente com o nome de Catholica, isto é, da Igreja. "Compreendi escreve precisamente neste livro muito original (I, 19, 1-3) que um só é verdadeiramente perfeito e que as palavras do Sermão da montanha estão totalmente realizadas num só: no próprio Jesus Cristo. Toda a Igreja, ao contrário todos nós, inclusive os apóstolos devemos rezar todos os dias: perdoai-nos os nossos pecados assim como nós os perdoamos a quem nos tem ofendido".

Convertido a Cristo, que é verdade e amor, Agostinho seguiu-o toda a vida e tornou-se um modelo para cada ser humano, para nós todos em busca de Deus. Por isto quis concluir a minha peregrinação a Pavia recomendando idealmente à Igreja e ao mundo, diante do túmulo deste grande apaixonado de Deus, a minha primeira Encíclica, intitulada Deus caritas est. De facto, ela deve muito, sobretudo na sua primeira parte, ao pensamento de Santo Agostinho. Também hoje, como no seu tempo, a humanidade precisa de conhecer e sobretudo viver esta realidade fundamental: Deus é amor e o encontro com ele é a única resposta às inquietações do coração humano. Um coração habitado pela esperança, talvez ainda obscura e inconsciente em muitos dos nossos contemporâneos, mas que para nós cristãos abre já hoje ao futuro, a ponto que São Paulo escreveu que "na esperança somos salvos" (Rm 8, 24). Quis dedicar à esperança a minha segunda Encíclica, Spe salvi, e também ela é amplamente devedora a Agostinho e ao seu encontro com Deus.

Num bonito texto Santo Agostinho define a oração como expressão do desejo e afirma que Deus responde alargando a Ele o nosso coração. Por nosso lado, devemos purificar os nossos desejos e as nossas esperanças para acolher a doçura de Deus (cf. In I Ioannis, 4, 6). De facto, só ela, abrindo-nos também aos outros, nos salva. Rezemos portanto para que na nossa vida nos seja concedido todos os dias seguir o exemplo deste grande convertido, encontrando como ele em cada momento da nossa vida o Senhor Jesus, o único que nos salva, purifica e concede a verdadeira alegria, a verdadeira vida.

De Santo Agostinho, uma lição sobre a verdadeira laicidade

PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VIQuarta-feira, 20 de Fevereiro de 2008

Queridos irmãos e irmãs

Depois da pausa dos exercícios espirituais da semana passada voltamos hoje à grande figura de Santo Agostinho, sobre o qual já falei repetidamente nas catequeses da quarta-feira. É o Padre da Igreja que deixou o maior número de obras, e hoje pretendo falar delas brevemente. Alguns dos escritos agostinianos são de importância fundamental, e não só para a história do cristianismo mas para a formação de toda a cultura ocidental: o exemplo mais claro são as Confessiones, sem dúvida um dos livros da antiguidade cristã ainda hoje muito lido. Como diversos Padres da Igreja dos primeiros séculos, mas em medida incomparavelmente mais ampla, também o Bispo de Hipona exerceu de facto uma influência alargada e persistente, como é demonstrado pela superabundante tradição manuscrita das suas obras, que deveras são numerosíssimas.
Ele mesmo as passou em revista alguns anos antes de morrer nas Retractationes e pouco depois da sua morte elas foram cuidadosamente registradas no Indiculus ("elenco") acrescentado pelo amigo fiel Possídio à biografia de Santo Agostinho, Vita Augustini. O elenco das obras de Agostinho foi realizado com a intenção explícita de salvaguardar a sua memória enquanto a invasão vândala se expandia em toda a África romana e conta mil e trinta escritos enumerados pelo seu Autor, com outros "que não podem ser numerados, porque não os enumerou". Bispo de uma cidade próxima, Possídio ditava estas palavras precisamente a Hipona onde se tinha refugiado e assistira à morte do amigo e quase certamente se baseava no catálogo da biblioteca pessoal de Agostinho. Hoje, são mais de trezentas as cartas do Bispo de Hipona que sobreviveram e quase seiscentas as homilias, mas elas eram muitas mais, talvez até entre as três mil e as quatro mil, fruto de quarenta anos de pregações do antigo reitor que tinha decidido seguir Jesus e falar já não aos grandes da corte imperial, mas à simples população de Hipona.

E ainda em anos recentes as descobertas de um grupo de cartas e de algumas homilias enriqueceram o nosso conhecimento deste grande Padre da Igreja. "Muitos livros escreve Possídio foram por ele compostos e publicados, muitas pregações foram feitas na igreja, transcritas e corrigidas, quer para contestar os diversos hereges quer para interpretar as sagradas Escrituras dos santos filhos da Igreja. Estas obras ressalta o Bispo amigo são tantas que dificilmente um estudioso tem a possibilidade de as ler e aprender a conhecê-las" (Vita Augustini, 18, 9).

Entre a produção literária de Agostinho portanto mais de mil publicações subdivididas em escritos filosóficos, apologéticos, doutrinais, morais, monásticos, exegéticos, anti-hereges, além, precisamente, das obras excepcionais de grande alcance teológico e filosófico. Antes de tudo é preciso recordar as já mencionadas Confessiones, escritas em treze livros entre 397 e 400 para louvor de Deus. Elas são uma espécie de autobiografia na forma de um diálogo com Deus. Este género literário reflecte precisamente a vida de Santo Agostinho, que era uma vida não fechada em si, dispersa em tantas coisas, mas vivida substancialmente como diálogo com Deus e assim uma vida com os outros. Já o título Confessiones indica a especificidade desta autobiografia. Esta palavra confessiones no latim cristão desenvolvido pela tradição dos Salmos tem dois significados, que contudo se entrelaçam. Confessiones indica, em primeiro lugar, a confissão das próprias debilidades, da miséria dos pecados; mas, ao mesmo tempo, confessiones significa louvor a Deus, reconhecimento a Deus. Ver a própria miséria na luz de Deus torna-se louvor a Deus e agradecimento porque Deus nos ama e nos aceita, nos transforma e nos eleva para si mesmo. Sobre estas Confessiones, que tiveram grande êxito já durante a vida de Santo Agostinho, ele mesmo escreveu: "Elas exerceram sobre mim tal acção enquanto as escrevia e ainda a exercem quando as releio. Estas obras são do agrado de muitos irmãos" (Retractationes, II, 6): e devo dizer que também eu sou um destes "irmãos". E graças às Confessiones, podemos seguir passo a passo o caminho interior deste homem extraordinário e apaixonado por Deus. Menos conhecidas mas igualmente originais e muito importantes são, outrossim, as Retractationes, compostas em dois livros por volta do ano 427, nas quais Santo Agostinho já idoso realiza uma obra de "revisão"(retractatio)detoda a sua obra escrita, deixando assim um documento literário singular e extremamente precioso, mas também um ensinamento de sinceridade e de humildade intelectual.

O De civitate Dei obra imponente e decisiva para o desenvolvimento do pensamento político ocidental e para a teologia cristã da história foi escrito de 413 a 426, em vinte e dois livros. A ocasião era o saque de Roma, levado a cabo pelos Gotos em 410. Numerosos pagãos ainda vivos, mas também muitos cristãos, disseram: Roma caiu e agora o Deus cristão e os apóstolos já não podem proteger a cidade. Durante a presença das divindades pagãs, Roma era caput mundi, a grande capital, e ninguém podia pensar que teria caído nas mãos dos inimigos. Agora, com o Deus cristão, esta grande cidade já não parecia segura. Portanto, o Deus dos cristãos já não protegia, não podia ser o Deus ao qual confiar-se. Nesta objecção, que tocava profundamente também o coração dos cristãos, Santo Agostinho responde com esta obra grandiosa, o De civitate Dei, esclarecendo o que devemos ou não esperar de Deus, qual é a relação entre o campo político e o campo da fé, da Igreja. Também nos dias de hoje, este livro é uma fonte para definir bem a verdadeira laicidade e a competência da Igreja, a grande e verdadeira esperança que a fé nos proporciona.

Este livro excelso é uma apresentação da história da humanidade governada pela Providência divina, mas actualmente dividida por dois amores. E este é o desígnio fundamental, a sua interpretação da história, que é a luta entre dois amores: o amor a si mesmo, "até à indiferença por Deus", e o amor a Deus", "até à indiferença por si mesmo" (De civitate Dei, XIV, 28), à plena liberdade de si próprio pelos outros, na luz de Deus. Portanto, este é talvez o maior livro de Santo Agostinho, de uma importância permanente. Igualmente importante é o De Trinitate, obra em quinze livros no núcleo principal da fé cristã, a fé no Deus trinitário, escrita em dois tempos: entre 399 e 412, os primeiros doze livros, publicados sem o conhecimento de Agostinho, que por volta de 420 os completou e reviu a obra inteira. Aqui, ele reflecte sobre o rosto de Deus e procura compreender este mistério do Deus que é singular, o único criador do mundo, de todos nós e, todavia, que precisamente este Deus único é trinitário, um círculo de amor. Procura compreender o mistério insondável: exactamente o ser trinitário, em três Pessoas, é a mais real e mais profunda unidade do único Deus. O De doctrina Christiana é, no entanto, uma verdadeira e própria introdução cultural à interpretação da Bíblia e, em última análise, ao próprio cristianismo, que teve uma importância determinante na formação da cultura ocidental.

Apesar de toda a sua humildade, Agostinho certamente estava consciente da sua estatura intelectual. Mas para ele, mais importante do que realizar grandes obras de elevado significado teológico, era transmitir a mensagem aos simples. Esta sua intenção mais profunda, que orientou toda a sua vida, manifesta-se numa carta escrita ao colega Evódio, na qual comunica a decisão de suspender momentaneamente o ditado dos livros do De Trinitate, "porque são demasiado cansativos e na minha opinião podem ser entendidos por poucos; por isso, são mais urgentes os textos que, esperamos, venham a ser mais úteis para muitos" (Epistulae, 169, 1, 1). Portanto, para ele era mais útil comunicar a fé de modo compreensível para todos, do que escrever grandes obras teológicas. A responsabilidade profundamente sentida em relação à divulgação da mensagem cristã é sentida também na origem de escritos, como De catechizandis rudibus, uma teoria e também uma prática da catequese, ou o Psalmus contra partem Donati. Os donatistas eram o grande problema da África de Santo Agostinho, um cisma intencionalmente africano. Eles afirmavam: a verdadeira cristandade é africana. Opunham-se à unidade da Igreja. Contra este cisma, o grande Bispo lutou durante toda a sua vida, procurando convencer os donatistas que somente na unidade também a africanidade pode ser verdadeira. E para se fazer compreender pelos mais simples, que não conseguiam entender o latim erudito do reitor, disse: devo escrever também com erros gramaticais, num latim muito simplificado. E fê-lo sobretudo neste Psalmus, uma espécie de poesia simples contra os donatistas, para ajudar todas as pessoas a compreenderem que unicamente na unidade da Igreja se realiza para todos realmente a nossa relação com Deus e aumenta a paz no mundo.

Nesta produção destinada a um público mais vasto reveste uma importância particular o número de homilias, muitas vezes pronunciadas "de modo improvisado", transcritas pelos taquígrafos durante a pregação e imediatamente postas em circulação. Entre elas, sobressaem as lindas Enarrationes in Psalmos, muito lidas na Idade Média. Precisamente a prática de publicação dos milhares de homilias de Agostinho muitas vezes sem o controle do autor explica a sua difusão e sucessiva dispersão, mas também a sua vitalidade. Com efeito, imediatamente as pregações do Bispo de Hipona tornavam-se, pela fama do seu autor, textos muito procurados e serviam também para outros Bispos e sacerdotes como modelos, adequados a contextos sempre novos.

A tradição iconográfica, já num afresco lateranense que remonta ao século VI, representa Santo Agostinho com um livro na mão, sem dúvida para expressar a sua produção literária que influenciou em grande medida a mentalidade e o pensamento cristãos, mas para exprimir também o seu amor pelos livros, pela leitura e pelo conhecimento da grande cultura precedente. Quando faleceu nada deixou, narra Possídio, mas "recomendava sempre que se conservasse diligentemente para a posteridade a biblioteca da igreja com todos os códices", sobretudo os das suas obras. Nelas, sublinha Possídio, Agostinho está "sempre vivo" e beneficia quem lê os seus escritos não obstante, conclui ele, "na minha opinião puderam tirar mais proveito do seu contacto aqueles que o conseguiram ver e ouvir, quando falava pessoalmente nas igrejas, e sobretudo aqueles que tiveram a experiência da sua vida quotidiana no meio do povo" (Vita Augustini, 31). Sim, também para nós teria sido muito bom poder ouvi-lo pessoalmente. Todavia, ele está deveras vivo nos seus escritos, está presente em nós e assim sentimos também a vitalidade permanente da fé, à qual ele entregou toda a sua vida.

Deus não está distante da nossa razão nem da nossa vida

PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI Quarta-feira, 30 de Janeiro de 2008

Queridos amigos
Depois da Semana de oração pela unidade dos cristãos voltamos hoje à grande figura de Santo Agostinho. O meu querido Predecessor João Paulo II dedicou em 1986, isto é, no décimo sexto centenário da sua conversão, um longo e denso documento, a Carta apostólica Augustinum Hipponensem. O próprio Papa quis definir este texto "um agradecimento a Deus pelo dom feito à Igreja, e através dela à humanidade inteira, com aquela admirável conversão". Sobre o tema da conversão gostaria de voltar a reflectir numa próxima Audiência. É um tema fundamental não só para a sua vida pessoal, mas também para a nossa. No Evangelho de domingo passado o próprio Senhor resumiu a sua pregação com a palavra: "Convertei-vos". Seguindo o caminho de Santo Agostinho, poderíamos meditar sobre o que foi esta conversão: uma coisa definitiva, decisiva, mas a decisão fundamental deve desenvolver-se, deve realizar-se em toda a nossa vida.

Hoje a catequese é dedicada, ao contrário, ao tema fé e razão, que é determinante, ou melhor, o tema determinante para a biografia de Santo Agostinho. Quando era criança tinha aprendido da sua mãe Mónica a fé católica. Mas quando era adolescente abandonou esta fé porque não via a sua racionalidade e não queria uma religião, que não fosse também para ele expressão da razão, isto é, da verdade. A sua sede de verdade era radical e levou-o portanto a afastar-se da fé católica. Mas a sua radicalidade era tal que ele não podia contentar-se com filosofias que não alcançassem a própria verdade, que não chegassem a Deus. E a um Deus que não fosse só uma última hipótese cosmológica, mas o verdadeiro Deus, o Deus que dá a vida e que entra na nossa própria vida. Assim todo o percurso intelectual e espiritual de Santo Agostinho constitui um modelo válido também hoje na relação entre fé e razão, tema não só para homens crentes mas para cada homem que procura a verdade, tema central para o equilíbrio e o destino de cada ser humano. Estas duas dimensões, fé e razão, não podem ser separadas nem contrapostas, mas devem antes estar sempre juntas. Como escreveu o próprio Agostinho, depois da sua conversão, fé e razão são "as duas forças que nos levam a conhecer" (Contra Academicos, III, 20, 43). A este propósito permanecem justamente célebres as duas fórmulas agostinianas (Sermones, 43, 9) que expressam esta síntese coerente entre fé e razão: crede ut intelligas ("crê para compreender") o crer abre o caminho para passar pela porta da verdade mas também, e inseparavelmente, intellige ut credas ("compreende para crer"), perscruta a verdade para poder encontrar Deus e crer.
As duas afirmações de Agostinho exprimem com eficaz prontidão e com igual profundidade a síntese deste problema, na qual a Igreja católica vê expresso o próprio caminho. Historicamente esta síntese vai-se formando, ainda antes da vinda de Cristo, no encontro entre fé judaica e pensamento grego no judaísmo helénico. Sucessivamente na história esta síntese foi retomada e desenvolvida por muitos pensadores cristãos. A harmonia entre fé e razão significa sobretudo que Deus não está longe: não está longe da nossa razão e da nossa vida; está próximo de cada ser humano, perto do nosso coração e da nossa razão, se realmente nos pusermos a caminho. Precisamente esta proximidade de Deus ao homem foi sentida com extraordinária intensidade por Agostinho. A presença de Deus no homem é profunda e ao mesmo tempo misteriosa, mas pode ser reconhecida e descoberta no próprio íntimo: não saias afirma o convertido mas "volta para ti"; no homem interior habita a verdade; e se achares que a tua natureza é alterável, transcende-te a ti mesmo. Mas recorda-te, quando te transcendes a ti mesmo, transcendes uma alma que raciocina" (De vera religione, 39, 72). Precisamente como ele mesmo ressalta, com uma afirmação muito famosa, no início das Confessiones, autobiografia espiritual escrita para louvor de Deus: "Criastes-nos para Vós, e o nosso coração está inquieto, enquanto não descansa em Vós" (I, 1, 1).

A distância de Deus equivale à distância de si mesmo: "De facto, tu reconhece Agostinho (Confessiones, III, 6, 11) dirigindo-se directamente a Deus estavas dentro de mim mais que o meu íntimo e acima da minha parte mais alta", interior intimo meo et superior summo meo; a ponto que acrescenta noutro trecho recordando o tempo que precedeu a conversão "tu estavas diante de mim; e eu, ao contrário, tinha-me afastado de mim mesmo, e não me reencontrava; e muito menos te encontrava a ti" (Confessiones, V, 2, 2). Precisamente porque Agostinho viveu em primeira pessoa este percurso intelectual e espiritual, soube transmiti-lo nas suas obras com tanta prontidão, profundidade e sabedoria, reconhecendo em dois outros célebres trechos das Confessiones (IV, 4, 9 e 14, 22) que o homem é "um grande enigma" (magna quaestio) e "um grande abismo" (grande profundum), enigma e abismo que só Cristo ilumina e salva. Isto é importante: um homem que está distante de Deus está também afastado de si mesmo, alienado de si próprio, e só pode reencontrar-se encontrando-se com Deus. Assim chega também a si, ao seu verdadeiro eu, à sua verdadeira identidade.
O ser humano ressalta depois Agostinho no De civitate Dei (XII, 27) é social por natureza mas anti-social por vício, e é salvo por Cristo, único mediador entre Deus e a humanidade e "caminho universal da liberdade e da salvação", como repetiu o meu predecessor João Paulo II (Augustinum Hipponensem, 21): fora deste caminho, que nunca faltou ao género humano afirma ainda Santo Agostinho na mesma obra "ninguém jamais foi libertado, ninguém é libertado e ninguém será libertado" (De civitate Dei, X, 32, 2). Enquanto único mediador da salvação, Cristo é a cabeça da Igreja e a ela está misticamente unido a ponto que Agostinho pode afirmar: "Tornamo-nos Cristo. De facto, se ele é a cabeça, nós somos os seus membros, o homem total é Ele e nós" (In Iohannis evangelium tractatus, 21, 8).

Povo de Deus e casa de Deus, a Igreja na visão agostiniana está portanto estreitamente relacionada com o conceito de Corpo de Cristo, fundada na releitura cristológica do Antigo Testamento e na vida sacramental centrada na Eucaristia, na qual o Senhor nos dá o seu Corpo e nos transforma em seu Corpo. Então, é fundamental que a Igreja, povo de Deus em sentido cristológico e não em sentido sociológico, esteja verdadeiramente inserida em Cristo, o qual afirma Agostinho numa lindíssima página "reza por nós, reza em nós, é rezado por nós; reza por nós como nosso sacerdote, reza em nós como nossa cabeça, é rezado por nós como nosso Deus: reconhecemos portanto nele a nossa voz e em nós a sua" (Enarrationes in Psalmos, 85, 1).
Na conclusão da Carta apostólica Augustinum Hipponensem João Paulo II quis perguntar ao próprio Santo o que tem para dizer aos homens de hoje e responde antes de tudo com as palavras que Agostinho escreveu numa carta ditada pouco antes da sua conversão: "Parece-me que se deve reconduzir os homens à esperança de encontrar a verdade" (Epistulae, 1, 1); aquela verdade que é o próprio Cristo, Deus verdadeiro, ao qual é dirigida uma das orações mais bonitas e mais famosas das Confessiones (X, 27, 38): "Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Estáveis dentro de mim e eu estava fora, e aí Vos procurava; e disforme como era, lançava-me sobre estas coisas formosas que criastes. Estáveis comigo e eu não estava convosco. Retinha-me longe de Vós aquilo que não existiria se não existisse em Vós. Mas Vós me chamastes, clamastes e rompestes a minha surdez. Brilhastes, resplandecestes e curastes a minha cegueira. Exalastes o vosso perfume: respirei-o e agora suspiro por Vós. Saboreei-Vos, e agora tenho fome e sede de Vós. Tocastes-me, e comecei a desejar ardentemente a vossa paz".

Eis que Agostinho encontrou Deus e durante toda a sua vida fez experiência dele a ponto que esta realidade que é antes de tudo encontro com uma Pessoa, Jesus mudou a sua vida, assim como muda a de quantos, mulheres e homens, em todos os tempos têm a graça de o encontrar. Rezemos para que o Senhor nos conceda esta graça e nos faça encontrar assim a sua paz.

Se o mundo envelhece Cristo é sempre jovem

PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI
Quarta-feira, 16 de Janeiro de 2008

Queridos irmãos e irmãs!
Hoje, como na passada quarta-feira, gostaria de falar do grande Bispo de Hipona, Santo Agostinho. Quatro anos antes de morrer, ele quis nomear o sucessor. Por isso, a 26 de Setembro de 426, reuniu o povo na Basílica da Paz, em Hipona, para apresentar aos fiéis aquele que tinha designado para tal tarefa. Disse: "Nesta vida somos todos mortais, mas o último dia desta vida é para cada indivíduo sempre incerto. Contudo, na infância espera-se chegar à adolescência; na adolescência à juventude; na juventude à idade adulta; na idade adulta à maturidade; na idade madura à velhice. Não se tem a certeza de a alcançar, mas espera-se. A velhice, ao contrário, não tem diante de si outro período no qual esperar; a sua própria duração é incerta... Eu por vontade de Deus cheguei a esta cidade no vigor da minha vida; mas agora a minha juventude passou e eu já sou velho" (Ep 213, 1). Nesta altura Agostinho pronunciou o nome do sucessor designado, o sacerdote Heráclito. A assembleia explodiu num aplauso de aprovação repetindo vinte e três vezes: "Deus seja louvado! Deus seja louvado!". Com outras aclamações os fiéis aprovaram, além disso, quanto Agostinho disse depois sobre os propósitos para o seu futuro: queria dedicar os anos que lhe restavam a um estudo mais intenso das Sagradas Escrituras (cf. Ep 213, 6).


De facto, seguiram-se quatro anos de extraordinária actividade intelectual: realizou obras importantes, empreendeu outras não menos empenhativas, fez debates públicos com os hereges procurava sempre o diálogo interveio para promover a paz nas províncias africanas assediadas pelas tribos bárbaras do sul. Neste sentido escreveu ao conde Dário, que foi à África para resolver a discórdia entre o conde Bonifácio e a corte imperial, da qual se estavam a aproveitar as tribos dos Mauritanos pelas suas incursões: "O maior título de glória afirmava na carta é precisamente o de suprimir a guerra com as palavras, em vez de matar os homens com a espada, e procurar ou manter a paz com a paz e não com a guerra. Sem dúvida, também os que combatem, se são bons, procuram sem dúvida a paz, mas à custa do derramamento de sangue. Tu, ao contrário, foste enviado precisamente para impedir que se procure derramar o sangue de alguém" (Ep 229, 2). Infelizmente, a esperança de uma pacificação dos territórios africanos foi desiludida: em Maio de 429 os Vândalos, convidados para a África por vingança pelo próprio Bonifácio, passaram o estreito de Gibraltar e invadiram a Mauritânia. A invasão atingiu rapidamente as outras ricas províncias africanas. Em Maio ou em Junho de 430 "os destruidores do império romano", como Possídio qualifica aqueles bárbaros (Vita, 30, 1), estavam em volta de Hipona, que assediaram.

Na cidade tinha procurado refúgio, o qual, tendo-se reconciliado demasiado tarde com a corte, procurava agora em vão impedir o caminho aos invasores. O biógrafo Possídio descreve o sofrimento de Agostinho: "As lágrimas eram, mais do que o habitual, o seu pão noite e dia e, tendo já chegado ao extremo da sua vida, mais que os outros arrastava à amargura e ao luto a sua velhice (Vida, 28, 6). E explica: "De facto, aquele homem de Deus via os massacres e as destruições das cidades; destruídas as casas no campo e os habitantes mortos pelos inimigos ou afugentados e desorientados; as igrejas privadas dos sacerdotes e dos ministros, as virgens sagradas e os religiosos dispersos por toda a parte; entre eles, outros mortos sob as torturas, outros assassinados pela espada, outros feitos prisioneiros, perdida a integridade da alma e do corpo e também a fé, reduzidos em dolorosa e longa escravidão pelos inimigos" (ibid., 28, 8).

Mesmo idoso e cansado, Agostinho conquistou contudo sempre simpatias, confortando-se a si mesmo e aos outros com a oração e a meditação sobre os misteriosos desígnios da Providência. Falava, a este propósito, da "velhice do mundo" e verdadeiramente era velho esse mundo romano falava desta velhice como já tinha feito anos antes para confortar os prófugos provenientes da Itália, quando em 410 os Godos de Alarico tinham invadido a cidade de Roma. Na velhice, dizia, os doentes abundam: tosse, catarro, remela, ansiedade, esgotamento. Mas se o mundo envelhece, Cristo é perpetuamente jovem. E então o convite: "Não rejeitar rejuvenescer unido a Cristo, também no mundo velho. Ele diz-te: Não temas, a tua juventude renovar-se-á como a da águia" (cf. Serm. 81, 8). Por conseguinte, o cristão não deve desanimar mesmo em situações difíceis, mas empenhar-se por ajudar quem está em necessidade. É quanto o grande Doutor sugere respondendo ao Bispo de Tiabe, Honorato, que lhe tinha pedido se, sob as ameaças das invasões bárbaras, um Bispo, um sacerdote ou um homem qualquer de Igreja pudesse fugir para salvar a vida: "Quando o perigo é comum a todos, isto é, a Bispos, clérigos e leigos, os que têm necessidade dos outros não sejam abandonados por aqueles dos quais têm necessidade. Neste caso transfiram-se todos para lugares seguros; mas se alguns têm necessidade de permanecer, não sejam abandonados por aqueles que têm o dever de os assistir com o ministério sagrado, de modo que se salvem juntamente ou juntos suportem as calamidades que o Pai de família quiser que sofram" (Ep 228, 2). E concluía: "Esta é a prova suprema da caridade" (ibid., 3). Como não reconhecer, nestas palavras, a mensagem heróica que tantos sacerdotes, aol ongo dos séculos, acolheram e fizeram própria?

Entretanto a cidade de Hipona resistia. A casa-mosteiro de Agostinho tinha aberto as suas portas para acolher os colegas no episcopado que pediam hospitalidade. Entre eles encontrava-se também Possídio, já seu discípulo, o qual pôde assim deixar-nos o testemunho directo daqueles últimos e dramáticos dias. "No terceiro mês daquela invasão narra ele caiu de cama com febre: era a sua última doença" (Vita, 29, 3). O santo idoso aproveitou daquele tempo finalmente livre para se dedicar com mais intensidade à oração. Costumava afirmar que ninguém, Bispo, religioso ou leigo, por mais irrepreensível que possa parecer o seu comportamento, pode encarar a morte com uma adequada penitência. Por isso ele repetia continuamente entre lágrimas os salmos penitenciais, que tantas vezes recitara com o povo (cf. ibid., 31, 2).
Quanto mais se agravava a doença, mais o Bispo moribundo sentia necessidade de solidão e de oração: "Para não ser incomodado por ninguém no seu recolhimento, cerca de dez dias antes de sair do corpo implorou a nós presentes para não deixar entrar ninguém no seu quarto fora das horas em que os médicos iam visitá-lo ou quando lhe levavam as refeições. A sua vontade foi cumprida exactamente e durante todo aquele tempo ele dedicava-se à oração" (ibid., 31, 3). Cessou de viver a 28 de Agosto de 430: o seu grande coração tinha-se finalmente aplacado em Deus.

"Para a deposição do seu corpo informa Possídio foi oferecido a Deus o sacrifício, ao qual nós assistimos, e depois foi sepultado" (Vita, 31, 5). O seu corpo, em data incerta, foi transferido para a Sardenha e dali, por volta de 725, para Pavia, na Basílica de São Pedro "in Ciel d'oro", onde repousa ainda hoje. O seu primeiro biógrafo tem sobre ele este juízo conclusivo: "Deixou à Igreja um clero muito numeroso, assim como mosteiros de homens e de mulheres cheios de pessoas dedicadas à continência sob a obediência dos seus superiores, juntamente com as bibliotecas que contêm livros e discursos seus e de outros santos, dos quais se conhece qual foi por graça de Deus o seu mérito e a sua grandeza na Igreja, e nos quais os fiéis sempre o encontram vivo" (Possídio, Vita, 31, 8). Trata-se de uma afirmação à qual nos podemos associar: nos seus escritos também nós o "encontramos vivo". Quando leio os escritos de Santo Agostinho não tenho a impressão que é um homem morto mais ou menos há mil e seiscentos anos, mas sinto-o como um homem de hoje: um amigo, um contemporâneo que me fala, que fala a nós com a sua fé vigorosa e actual. Em Santo Agostinho que nos fala, fala a mim nos seus escritos, vemos a actualidade permanente da sua fé; da fé que vem de Cristo, Verbo Eterno Encarnado, Filho de Deus e Filho do homem. E podemos ver que esta fé não é de ontem, mesmo tendo sido pregada ontem; é sempre de hoje, porque Cristo é realmente ontem, hoje e para sempre. Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. Assim nos encoraja Santo Agostinho a confiar-nos a este Cristo sempre vivo e a encontrar assim o caminho da vida.
Saudações

Dirijo-me com afecto aos peregrinos de língua italiana. Obrigado pela vossa presença e pela vossa simpatia. Prossigamos então juntos!
Em particular, saúdo-vos a vós, representantes da Associação Italiana de Criadores de animais, realidade importante para a economia do País, e exorto-vos a trabalhar cada vez mais no respeito pelo ambiente e em favor da segurança alimentar dos cidadãos. A festa litúrgica do vosso padroeiro, Santo António Abade, que celebraremos amanhã, suscite em vós o desejo de aderir com crescente generosidade a Cristo e testemunhar com alegria o seu Evangelho. Saúdo depois os Representantes da Biblioteca Roncioniana, de Prato e as Pequenas Irmãs dos Pobres. A todos agradeço a vossa presença e invoco sobre cada um a contínua assistência divina.

Saúdo naturalmente com particular alegria os universitários, os estudantes. Obrigado!
Por fim, saúdo os jovens, os doentes, e os recém-casados. O exemplo de Santo António Abade, insigne pai do monaquismo que muito trabalhou pela Igreja, apoiando os mártires na perseguição, encorage a vós, queridos jovens, a seguir fielmente Cristo; vos conforte, queridos doentes, na suportação paciente dos vossos sofrimentos e na oferenda dos mesmos para que o Reino de Deus se difunda em todo o mundo; e ajude a vós, queridos recém-casados, a ser testemunhas no amor de Cristo na vossa vida familiar.

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